A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
57<br />
Maria Tereza Furtado Travi<br />
segundo o nível de relação que nos liga nesse momento<br />
a <strong>Pina</strong>, aos outros bailarinos e, sobretudo, a nós próprios<br />
(Josephine Ann Endicott apud LIMA, 2008, p. 104).<br />
A partir dos depoimentos dos bailarinos, percebo que existia uma<br />
resistência dentro deles semelhante à senti<strong>da</strong> pelo paciente na situação<br />
terapêutica. O exercício de recor<strong>da</strong>r momentos dolorosos a partir <strong>da</strong>s<br />
perguntas de <strong>Bausch</strong> era algo penoso e difícil, como acontece na análise.<br />
Além disso, <strong>Pina</strong> apresentava a seus intérpretes um modo de fazer<br />
diferente, uma outra forma de criar <strong><strong>da</strong>nça</strong>. De certa maneira, é o mesmo<br />
papel do terapeuta: descobrir junto com o paciente um novo modo de sentir<br />
e fazer as coisas. Esse tipo de mu<strong><strong>da</strong>nça</strong>, profun<strong>da</strong> e de valores por demasia<br />
enraizados, gera insegurança e medo diante do desconhecido, do novo. E<br />
sobre essa busca pelo que surpreende, pelo novo, <strong>Pina</strong> coloca:<br />
Às vezes só podemos esclarecer algo encarando o que<br />
não sabemos. E às vezes as perguntas que fazemos<br />
levam a coisas muito antigas, que não procedem só em<br />
nossa cultura nem só tratam do aqui e agora. É como se<br />
recuperássemos um saber que sempre tivemos, mas que<br />
nem sempre é consciente e presente (BAUSCH apud<br />
LIMA, 2008, p. 120).<br />
Para José Gil, o método de criação bauschiano faz,<br />
vir à superfície cama<strong>da</strong>s soterra<strong>da</strong>s de emoções e<br />
sentimentos que nenhum outro tipo de movimento<br />
(Ballet, Dança Moderna: os dois campos de onde em<br />
geral vêm os bailarinos de Wuppertal) - consegue<br />
alcançar (2009, p. 173).<br />
Pergunto se, possivel<strong>mente</strong>, os bailarinos estabeleciam com <strong>Pina</strong><br />
uma relação transferencial, como o paciente com seu analista. Isso, a meu<br />
ver, é algo muito particular de ca<strong>da</strong> intérprete e variável conforme o tipo de<br />
relação que ca<strong>da</strong> um possuía com a coreógrafa. To<strong>da</strong>via, julgo interessante<br />
comentar que o fenômeno <strong>da</strong> transferência, característico <strong>da</strong> Psicanálise,<br />
possui estreita ligação com o ato de repetir, tão utilizado por <strong>Pina</strong> como<br />
método de criação coreográfica. Segundo Sandler, o paciente, na análise, “é<br />
obrigado a repetir o material reprimido como uma vivência contemporânea,<br />
ao invés de [...] recordá-lo como algo pertencente ao passado” (1976, p. 36).<br />
A repetição do passado, sob forma de transferências contemporâneas, era,