17.07.2017 Views

edição de 17 de julho de 2017

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

última página<br />

Sobre propósito<br />

e escolhas<br />

bowie15/iStock<br />

Claudia Penteado<br />

Outro dia, num fim <strong>de</strong> semana em que<br />

por acaso me encontrava em Salvador,<br />

na Bahia, ouvi comentaristas <strong>de</strong> uma rádio<br />

criticarem uma cantora muito popular<br />

por lá que teria “enganado” as pessoas ao<br />

anunciar que abandonaria o seu sobrenome,<br />

para <strong>de</strong>pois revelar que se tratava <strong>de</strong><br />

uma brinca<strong>de</strong>ira vinculada à estratégia <strong>de</strong><br />

marketing <strong>de</strong> um laboratório. Sem qualquer<br />

juízo <strong>de</strong> valor à estratégia, revelo aqui<br />

o que era: Claudia Leitte disse aos fãs que<br />

mudaria seu nome artístico, e <strong>de</strong>pois revelou<br />

que não precisaria “tirar o leite”, ação<br />

publicitária do medicamento Perlatte, da<br />

Eurofarma, <strong>de</strong>stinado a pessoas com intolerância<br />

a lactose. Na hora, me lembro <strong>de</strong><br />

pensar: nossa, mas que gente chata, que<br />

mania <strong>de</strong> reclamar <strong>de</strong> tudo. Mas tenho um<br />

vício – talvez comum a jornalistas, não sei<br />

– <strong>de</strong> tentar enxergar fatos por<br />

diferentes ângulos – algo útil e<br />

interessante, posso garantir, para<br />

quem gostaria <strong>de</strong> tentar.<br />

Lembrei-me do enterro do<br />

Bentley; Neymar anunciando<br />

que ia virar cantor, em ação <strong>de</strong><br />

Snickers; e outras tantas estratégias<br />

que simulam realida<strong>de</strong>s.<br />

E até <strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> teatro que<br />

assisti outro dia em que a atriz<br />

fingiu que esqueceu o texto logo no começo<br />

e me fez passar o resto do tempo num estranho<br />

e <strong>de</strong>sconcertante limiar entre o que parecia<br />

interpretação <strong>de</strong> fato e o que po<strong>de</strong>ria<br />

ser improviso no esquecimento. Simplesmente<br />

não dava mais para acreditar nela.<br />

Minha dúvida era a seguinte, tentando<br />

usar um pouco da perspectiva <strong>de</strong> quem<br />

reclamou por ter sido “enganado”: na era<br />

da trolagem e das notícias falsas, a publicida<strong>de</strong><br />

que se vale <strong>de</strong> pegadinhas assim<br />

estaria simplesmente captando o “espírito<br />

do tempo” <strong>de</strong> forma bem-humorada ou há<br />

algum limite ético nessa história?<br />

“EntEndEr<br />

o quE<br />

rEalmEntE<br />

importa para<br />

as pEssoas<br />

dá mais<br />

trabalho”<br />

Assuntei por aí, especialmente com gente<br />

que, ao contrário da mim, transita pelos<br />

intestinos <strong>de</strong>sse business cada vez mais<br />

complexo chamado propaganda. Fábio Seidl,<br />

experiente criativo no meio digital, disse<br />

que os resmungões acabam colaborando<br />

para o sucesso <strong>de</strong> campanhas assim, gerando<br />

discussões e chamando a atenção para<br />

as marcas. Resmungos estariam sempre<br />

previstos no pacote. A muitos parece natural<br />

a convergência entre espetáculo e propaganda<br />

envolvendo celebrida<strong>de</strong>s, cujo dia<br />

a dia, como bem me lembrou o Abel Reis, é<br />

mesmo “quase <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”.<br />

O criativo Fernando Campos (autor da<br />

ação da Claudia Leitte) acha que o esporte<br />

preferido do mundo atual é a problematização.<br />

Enquanto isso, seu cliente está feliz<br />

com os resultados da campanha. Verda<strong>de</strong>,<br />

muitas vezes procuramos pelo em ovo. Mas<br />

por outro lado, se nunca refletirmos sobre o<br />

que fazemos, o que nos tornamos?<br />

Preciso confessar que, <strong>de</strong> conversa em<br />

conversa, cheguei ao bom e velho<br />

“caminho do meio”. Para<br />

muitas pessoas, quando uma<br />

marca lhe conta uma história e<br />

<strong>de</strong>pois fala que era tudo mentirinha,<br />

em nome <strong>de</strong> uma vantagem<br />

comercial, isso se torna<br />

frustrante. Se a mentirinha, por<br />

outro lado, for contada por um<br />

motivo um pouco mais nobre ou<br />

interessante – como foi o caso do<br />

Chiquinho Scarpa e seu Enterro<br />

do Bentley –, talvez a frustração nem exista<br />

e o efeito seja outro, o <strong>de</strong> uma grata surpresa.<br />

“É mais fácil ficar reclamando <strong>de</strong> que<br />

está tudo uma chatice do que parar, refletir,<br />

enten<strong>de</strong>r o que realmente importa para as<br />

pessoas. Fazer isso dá mais trabalho”, me<br />

chamou a atenção outro criativo, o Carlão<br />

Fonseca.<br />

Correndo o risco <strong>de</strong> engrossar o coro<br />

dos chatos ou <strong>de</strong> soar como existencialista<br />

obcecada por sentido, tendo a simpatizar<br />

bem mais com a busca <strong>de</strong> um propósito nas<br />

ações das marcas, <strong>de</strong>ixando o humor puro<br />

e simples para os humoristas. Porque marcas<br />

ven<strong>de</strong>m produtos e serviços no mundo,<br />

não estão aqui a passeio. A busca pelo equilíbrio<br />

na mensagem, essa medida tênue, é,<br />

afinal <strong>de</strong> contas, o que separa o joio do trigo,<br />

o simplório do memorável.<br />

50 <strong>17</strong> <strong>de</strong> <strong>julho</strong> <strong>de</strong> 20<strong>17</strong> - jornal propmark

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!