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Colecão 2020

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Por que não pensar que Ele é o vindouro,

aquele que está por vir desde a eternidade,

o futuro, o fruto final da árvore

de que nós somos as folhas? Que é que o

impede de projetar o seu nascimento para

os tempos posteriores e viver a sua vida

como um dia belo e doloroso de uma grandiosa

gravidez? Não vê como tudo o que

acontece é sempre um começo? Não poderia

ser, então, o começo d’Ele, pois todo

começo em si é tão belo? Se Ele é o mais

perfeito, não deve ter havido algo menor

antes d’Ele para que Ele se pudesse escolher

a si mesmo dentro da plenitude e

abundância? Não deverá ser Ele o último,

para encerrar tudo em si? Que sentido teria

a nossa vida se Aquele a que aspiramos

já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o

mel, assim nós tiramos o que há de mais

doce em tudo para o construirmos. Começamos

pelo pormenor, pelo insignificante

(posto que venha do amor), depois pelo

trabalho e pelo repouso, por um silêncio

ou por uma pequena alegria solitária; por

tudo o que fazemos, sem participantes ou

aderentes, iniciamos Esse que não podemos

compreender, do mesmo modo que

c

Outras LeituraS

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os nossos antepassados não nos puderam

compreender a nós mesmos. No entanto,

esses seres desaparecidos há muito estão

em nós, em nossos pendores, pesando

sobre nosso destino, zumbindo em nosso

sangue, emergindo num gesto que sobe do

âmago dos tempos.

Existe algo que lhe possa tirar a esperança

de estar futuramente n’Ele, no longínquo,

no extremo?

Festeje o Natal, caro sr. Kappus, com

o pio sentimento de que talvez Ele, para

começar, aguarde do senhor justamente

essa angústia de viver. Talvez justamente

esses dias de transição sejam o tempo em

que tudo no senhor trabalha n’Ele, como

outrora, quando criança o senhor n’Ele

trabalhou palpitante. Não seja impaciente

e mal-humorado. Lembre-se de que a

menor coisa que podemos fazer consiste

em lhe dificultar tão pouco o nascimento

quanto a terra dificulta o advento da primavera,

quando ela tem de vir.

Fique alegre e tranquilo.

Rainer Maria Rilke (1875-1926). Cartas a um jovem

poeta. São Paulo: Globo, 2013. p. 50-51.

Grupo Marista 107

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