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Por que não pensar que Ele é o vindouro,
aquele que está por vir desde a eternidade,
o futuro, o fruto final da árvore
de que nós somos as folhas? Que é que o
impede de projetar o seu nascimento para
os tempos posteriores e viver a sua vida
como um dia belo e doloroso de uma grandiosa
gravidez? Não vê como tudo o que
acontece é sempre um começo? Não poderia
ser, então, o começo d’Ele, pois todo
começo em si é tão belo? Se Ele é o mais
perfeito, não deve ter havido algo menor
antes d’Ele para que Ele se pudesse escolher
a si mesmo dentro da plenitude e
abundância? Não deverá ser Ele o último,
para encerrar tudo em si? Que sentido teria
a nossa vida se Aquele a que aspiramos
já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o
mel, assim nós tiramos o que há de mais
doce em tudo para o construirmos. Começamos
pelo pormenor, pelo insignificante
(posto que venha do amor), depois pelo
trabalho e pelo repouso, por um silêncio
ou por uma pequena alegria solitária; por
tudo o que fazemos, sem participantes ou
aderentes, iniciamos Esse que não podemos
compreender, do mesmo modo que
c
Outras LeituraS
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os nossos antepassados não nos puderam
compreender a nós mesmos. No entanto,
esses seres desaparecidos há muito estão
em nós, em nossos pendores, pesando
sobre nosso destino, zumbindo em nosso
sangue, emergindo num gesto que sobe do
âmago dos tempos.
Existe algo que lhe possa tirar a esperança
de estar futuramente n’Ele, no longínquo,
no extremo?
Festeje o Natal, caro sr. Kappus, com
o pio sentimento de que talvez Ele, para
começar, aguarde do senhor justamente
essa angústia de viver. Talvez justamente
esses dias de transição sejam o tempo em
que tudo no senhor trabalha n’Ele, como
outrora, quando criança o senhor n’Ele
trabalhou palpitante. Não seja impaciente
e mal-humorado. Lembre-se de que a
menor coisa que podemos fazer consiste
em lhe dificultar tão pouco o nascimento
quanto a terra dificulta o advento da primavera,
quando ela tem de vir.
Fique alegre e tranquilo.
Rainer Maria Rilke (1875-1926). Cartas a um jovem
poeta. São Paulo: Globo, 2013. p. 50-51.
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