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O RostO AmadO de Deus
Nestes tempos de um cristianismo comercializado em que as
festas litúrgicas são reduzidas à “agregação de valor de mercado”,
perdemos o significado da razão de ser tanto do Natal
como da Páscoa da Ressurreição. Nossas igrejas barateiam
o Mistério por meio de slogans de caráter tanto duvidoso quanto de indigência
teológica. Vivemos numa sociedade de um forte individualismo em
que o consumismo foi eleito como a razão de ser: Tenho, logo existo! São
considerados descartáveis para o mercado os que não dominam as novas
formas de comunicação eletrônica que fazem perder o sentido do tocar e
do sentir. A comunicação via Internet constitui uma forma virtual de relação,
paralela ao mundo real, que, muitas vezes, implica numa forte alienação
do contato físico e tátil. A cultura da suspeição marcante nos dias presentes
percebe o próximo como um perigo do qual devemos nos defender.
Acabamos por acreditar que os outros são obstáculos e quase inimigos.
Vale mais o preconizado por Sartre: “O inferno são os outros!”
Avesso a essa situação, o papa Francisco apela para nós recriarmos a
cultura do encontro. Nela o abraço é o sinal de uma profecia, pois brota
do coração e da convivência. Pelo abraço terno e amoroso, descobrimos
o existir como um dom e podemos testemunhar que o outro não é o “inferno”.
O abraço reconduz ao encontro primário, origem da nossa própria
identidade relacional, pois o contato corpóreo com os outros é a fonte de
bem-aventuranças, de alegria, de segurança, de calor e de predisposição a
experiências sempre novas. Somente no encontro com o outro é que podemos
romper o fechamento sobre nós mesmos que nos faz negar as relações
pessoais e nos conduz à morte. Todo narcisismo é necrofilia, e a relação
altruísta, pelo contrário, é biofilia. Todo ser humano é um ser-do-abraço.
O coração que ama é o oposto do coração contraído e encurtado, aquele
incapaz do dom e da acolhida, absorvido pelas relações parasitárias, pleno
de ressentimento e emotivamente frio e avarento. Abrir o coração a Deus é
permitir ser abraçado por Ele, e abraçá-Lo com todo o nosso ser torna-nos
capazes de abraçar todo irmão e irmã e sermos, ao mesmo tempo, abraçados
por eles num real encontro de reciprocidade amorosa.
Somente graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor
de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados
da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade.
16 O Rosto Amado de Deus