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O amor do próximo é o amor que desce
de Deus para o homem. Ele é anterior
àquele que sobe do homem para Deus.
Deus tem pressa de descer para os infelizes.
Desde que uma alma está disposta
ao consentimento, ainda que ela fosse a
última, a mais miserável, a mais disforme,
Deus se precipita nela para poder, através
dela, olhar, escutar os desgraçados. Só
com o tempo, ela toma conhecimento desta
presença. Mas ainda que ela não achasse
nome para nomeá-la, onde quer que
os infelizes são amados por eles mesmos,
Deus está presente.
Deus não está presente, mesmo se é
invocado, onde os infelizes são simplesmente
uma ocasião para se fazer o bem,
mesmo se eles são amados nisso. Porque,
neste caso, estão em seu papel natural, em
seu papel de matéria, de coisa. Eles são
amados impessoalmente. É preciso dar-
-lhes, em seu estado anônimo, inerte, um
amor pessoal.
Por isto, expressões tais como amar o
próximo em Deus, por Deus, são expressões
enganadoras e equívocas. [...]
Assim como há momentos em que é
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Outras LeituraS
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preciso pensar em Deus, esquecendo-se
de todas as criaturas sem exceção, há momentos
em que, olhando a criatura, não
se deve pensar explicitamente no Criador.
Nestes momentos, a presença de Deus em
nós tem por condição um segredo tão profundo,
que ela mesma deve ser um segredo
para nós. Há momentos em que pensar
em Deus nos separa dele. O pudor é a condição
da união nupcial.
No amor verdadeiro, não somos nós
que amamos os infelizes em Deus, é Deus
em nós que ama os infelizes. Quando estamos
na desgraça, é Deus em nós que ama
aqueles que nos querem bem. A compaixão
e a gratidão descem de Deus e, quando
elas trocam entre si um olhar, Deus está
presente no ponto de encontro dos olhares.
O infeliz e o outro amam a partir de
Deus, através de Deus, mas não pelo amor
de Deus; eles se amam por amor um do
outro. Isto é algo impossível. Eis por que
isso só se opera, vindo de Deus.
Simone Weil (1909-1943). “Amar em Deus”. In:
Attente de Dieu. Paris, La Colombe, 1950, p. 110-111,
apud Leituras do Povo de Deus, 6. Salvador: Editora
Beneditina Ltda., 1975. p. 38-39.
Grupo Marista 113