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Maria está pálida e olha para o menino
com um encantamento ansioso que não
apareceu senão uma vez sobre uma figura
humana. Porque Cristo é o seu menino:
a carne de sua carne, o fruto das suas entranhas.
Cresceu nela durante nove meses
e Maria dar-lhe-á o seu seio e o seu leite
se tornará o sangue de Deus. Por longos
momentos, invadida pelo mais forte dos
amores humanos, ela esquece que ele é
Deus. E aperta-o nos seus braços dizendo
“Meu pequenino”. Mas noutros momentos
ela suspende esse movimento e pensa,
abismada: Deus está aqui! E fica possuída
por um certo temor religioso, por este
Deus calado, por esta Criança incrível. É
certo que todas as mães passam por estas
provas e sentem-se, às vezes, paralisadas
diante desse fragmento rebelde da sua carne
que é o seu filho, tendo a sensação de
estarem no exílio diante dessa vida nova
que se fez a partir da sua. Sentem-se, então,
todas elas habitadas por pensamentos
estranhos. Mas nenhuma criança, porém,
foi tão cruelmente e tão rapidamente arrancada
de sua mãe: aquela criança é Deus
e ultrapassará sempre tudo o que Maria
possa sequer imaginar. E esta é uma dura
prova para uma mãe, a de ter vergonha de
si e de sua condição humana. Contudo, eu
imagino que existem outros momentos,
c
Natal
Dia 29
igualmente, rápidos e escorregadios, em
que Maria sente que Jesus é seu filho, inteiramente
seu, e que ele é Deus. Ela contempla
e medita: “Este Deus é meu filho.
Esta carne divina é minha carne. Ele é feito
de mim, tem meus olhos, e essa forma da
sua boca é a forma da minha. Ele se assemelha
a mim. É Deus, mas semelhante a
mim”. Nenhuma mulher teve, assim, seu
Deus só para si. Um Deus muito pequenino,
que se pode tomar nos braços e cobrir
de beijos, um Deus bem quentinho, que
sorri e respira. Um Deus que se pode tocar
e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido
ela a única a quem Deus se entregou tão
completamente, deixando-a vê-Lo assim
tão absolutamente tal qual Ele é, que nós
dizemos que ela é cheia de graça e bendita
entre as mulheres. E, se eu fosse pintor, seria
nestes momentos que pintaria Maria e tentaria
colocar em seu rosto, um ar de terna
ousadia e timidez, representado pela mão
estendida, desejando tocar a pele macia do
Menino-Deus, sentindo sobre os joelhos o
doce peso da criança que lhe sorri.
Jean-Paul Sartre (1905-1980). Bariona ou o Filho
do Trovão, 1940 (grifos no original), tradução de
Júlio Martin da Fonseca. In: Bariona ou le Fils du
Tonnerre. Paris: Éditions Marescot, 1967. Ver também
L'avant-scène théâtre, n. 402-403, maio 1968.
Grupo Marista 75