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Colecão 2020

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Maria está pálida e olha para o menino

com um encantamento ansioso que não

apareceu senão uma vez sobre uma figura

humana. Porque Cristo é o seu menino:

a carne de sua carne, o fruto das suas entranhas.

Cresceu nela durante nove meses

e Maria dar-lhe-á o seu seio e o seu leite

se tornará o sangue de Deus. Por longos

momentos, invadida pelo mais forte dos

amores humanos, ela esquece que ele é

Deus. E aperta-o nos seus braços dizendo

“Meu pequenino”. Mas noutros momentos

ela suspende esse movimento e pensa,

abismada: Deus está aqui! E fica possuída

por um certo temor religioso, por este

Deus calado, por esta Criança incrível. É

certo que todas as mães passam por estas

provas e sentem-se, às vezes, paralisadas

diante desse fragmento rebelde da sua carne

que é o seu filho, tendo a sensação de

estarem no exílio diante dessa vida nova

que se fez a partir da sua. Sentem-se, então,

todas elas habitadas por pensamentos

estranhos. Mas nenhuma criança, porém,

foi tão cruelmente e tão rapidamente arrancada

de sua mãe: aquela criança é Deus

e ultrapassará sempre tudo o que Maria

possa sequer imaginar. E esta é uma dura

prova para uma mãe, a de ter vergonha de

si e de sua condição humana. Contudo, eu

imagino que existem outros momentos,

c

Natal

Dia 29

igualmente, rápidos e escorregadios, em

que Maria sente que Jesus é seu filho, inteiramente

seu, e que ele é Deus. Ela contempla

e medita: “Este Deus é meu filho.

Esta carne divina é minha carne. Ele é feito

de mim, tem meus olhos, e essa forma da

sua boca é a forma da minha. Ele se assemelha

a mim. É Deus, mas semelhante a

mim”. Nenhuma mulher teve, assim, seu

Deus só para si. Um Deus muito pequenino,

que se pode tomar nos braços e cobrir

de beijos, um Deus bem quentinho, que

sorri e respira. Um Deus que se pode tocar

e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido

ela a única a quem Deus se entregou tão

completamente, deixando-a vê-Lo assim

tão absolutamente tal qual Ele é, que nós

dizemos que ela é cheia de graça e bendita

entre as mulheres. E, se eu fosse pintor, seria

nestes momentos que pintaria Maria e tentaria

colocar em seu rosto, um ar de terna

ousadia e timidez, representado pela mão

estendida, desejando tocar a pele macia do

Menino-Deus, sentindo sobre os joelhos o

doce peso da criança que lhe sorri.

Jean-Paul Sartre (1905-1980). Bariona ou o Filho

do Trovão, 1940 (grifos no original), tradução de

Júlio Martin da Fonseca. In: Bariona ou le Fils du

Tonnerre. Paris: Éditions Marescot, 1967. Ver também

L'avant-scène théâtre, n. 402-403, maio 1968.

Grupo Marista 75

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