O CORPO EO CUIDAR NO FEMININO Maria Fernanda - Repositório ...
O CORPO EO CUIDAR NO FEMININO Maria Fernanda - Repositório ...
O CORPO EO CUIDAR NO FEMININO Maria Fernanda - Repositório ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Capítulo I<br />
O corpo, as experiências da gravidez e o cuidar no feminino - Construção de uma problemática<br />
Expressos ou ambíguos, necessitam que se atente, para lá da reacção<br />
visível, às motivações e mentalidades que lhes subjazem.<br />
Referimo-nos especialmente ao pudor, à moda e à forma como nos<br />
transpomos ao e no acto cuidativo. É uma perpétua dialética instinto/razão,<br />
consciência/inconsciência, indivíduo/sociedade, acompanhada por fenómenos<br />
mais ou menos conscientes, que ditam condutas (não)condizentes com a forma de<br />
estar com os outros e com nós próprios. Esta clivagem passa necessariamente<br />
por um sistema de valores.<br />
Na origem dos comportamentos, nomeadamente pudicos, encontram-se<br />
muitas vezes realidades sociológicas que se nos escapam. Podemos considerar o<br />
pudor como um produto da civilização, onde, como refere Bologne (1990) "muitas<br />
vezes convém andar mascarado". Mais que uma reacção à nudez ou a uma<br />
determinada parte do corpo, o pudor expressa-se pela tomada de consciência, 18<br />
manifesta através de<br />
"sentimento de vergonha, de incómodo que se tem ao fazer, ao enfrentar<br />
ou ao ser testemunha das coisas de natureza sexual"; incómodo que se sente<br />
perante aquilo que a dignidade de uma pessoa parece proibir" (ibidem. 8-9).<br />
O pudor é um processo dinâmico, interage, (des)constrói-se numa<br />
permanente (co)ligação a valores, costumes e hábitos que determinadas práticas<br />
modais, culturais infligem. Muitas vezes serve para dissimular uma fraqueza, um<br />
ridículo ou a falta de uma armadura, mais do que afirmar-se como uma virtude. As<br />
lágrimas não ficam bem ao homem - que privilegia o pudor de sentimentos -, e as<br />
palavras grosseiras não ficam bem à mulher - que privilegia o pudor corporal -. 19<br />
Hoje a moda quer que a literatura, as artes, a publicidade se libertem do pudor<br />
corporal, por isso ele desapareceu do domínio artístico, enquanto continua a usar-<br />
se bastante na vida quotidiana.<br />
Quando falamos em pudor na vida quotidiana, pode reportar-se a um sem<br />
número de situações que têm a ver com as actividades de vida que realizamos.<br />
O pudor é um processo dinâmico... só nasce a partir do momento em que percebemos que estamos nus.<br />
O mito de Adão e Eva ganha aqui enorme actualidade: nada, a não ser uma concepção estática do pudor,<br />
mudou entre a inocência original e a consciência nascida do fruto da árvore da ciência (Bologne, 1990:14)<br />
Este pudor feminino será rei e senhor até ao século XVIII. O pudor é o estado original da mulher e ai<br />
daquela que o maltrata! "A mulher sem pudor é depravada" proclama Rousseau, "maltrata um sentimento<br />
natural do seu sexo" (Citado por Bayard, in Bologne: 1990)<br />
65