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Baixe o PDF do Livro! - Mensagens com Amor

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E vieram outras lembranças análogas, vagas sombras, que para logo se iam<br />

desfazen<strong>do</strong>. Uma delas foi aquele outro descui<strong>do</strong> que levou Para a cova um pobrediabo,<br />

não sei se adulto, se infante. A troca <strong>do</strong>s remédios não foi obra de propósito,<br />

mas de erro, talvez de ignorância. Não foi ação de alfaiate, ourives ou marítimo, mas<br />

de boticário também, <strong>com</strong> a diferença que uns dizem ser o próprio <strong>do</strong>no da casa,<br />

outros um seu representante. A vítima expirou. Deus recebeu a sua alma. O<br />

acidente deu o que falar e escrever, e os adjetivos vadios apareceram contra o<br />

pobre autor <strong>do</strong> involuntário descui<strong>do</strong>; mas adjetivos não são agentes de polícia, e<br />

enquanto um homem ouve a palavrada <strong>do</strong> prelo não escuta as chaves no ferrolho da<br />

detenção. O descuida<strong>do</strong> acabaria solto, se tivesse de acabar; os escrivães não<br />

<strong>com</strong>eram desse primeiro descui<strong>do</strong>. Poucos dias depois creio que continuou a vender<br />

as suas drogas, e a prova de que não houve propósito, e quan<strong>do</strong> muito desazo é<br />

que ninguém mais morreu, pelo menos até ontem.<br />

Essa lembrança desapareceu <strong>com</strong>o as primeiras. Gerações delas iam assim<br />

vin<strong>do</strong> <strong>com</strong>o as <strong>do</strong> texto bíblico, umas atrás de outras, esquecidas, apagadas,<br />

mortas. Nem eram só as <strong>do</strong>s remédios troca<strong>do</strong>s; as <strong>do</strong>s desfalques tinham igual<br />

destino. Quatro, cinco, seis mil contos desapareceram, <strong>com</strong>o ilusões da mocidade<br />

<strong>com</strong>o opiniões de ano velho. Quem sabe já deles Há quem cite algum, raro, ou<br />

para <strong>com</strong>paração, ou por qualquer necessidade de fundamento, não <strong>com</strong> idéias de<br />

processo. Os desfalques são <strong>com</strong>o os amores engana<strong>do</strong>s; <strong>do</strong>em muito, mas os<br />

tempos acabam de os enganar e enterrar, e, quan<strong>do</strong> menos se espera, o desfalca<strong>do</strong><br />

reza por alma <strong>do</strong> outro, se o outro morre. Se não morre, não o mata, nem lhe tira a<br />

liberdade, que é a primeiro <strong>do</strong>s bens da terra e a melhor base das sociedades<br />

políticas. Se. além de vivo, o outro gosta de dançar, dança; — ou joga, se lhe sabe o<br />

jogo, que tanto pode ser de cartas <strong>com</strong>o de prendas.<br />

Todas essas sombras, desfalques grandes e pequenos, públicos ou<br />

particulares, e trocas de remédios, e <strong>do</strong>enças e mortes filhas dessas trocas, todas<br />

essas sombras impunes iam e vinham, e eu não podia <strong>com</strong> os olhos (quanto mais<br />

<strong>com</strong> as mãos!) agarrá-las, fixá-las, sentá-las diante de mim. Como Goethe,<br />

dedican<strong>do</strong> o Fausto, perguntava-lhes se me rodeavam ainda uma vez, e elas iam<br />

mais vagas que as <strong>do</strong> poeta, iam-se para não voltar mais; todas esquecidas.<br />

Eram as gerações que passavam. Gerações novas sucederão a essas, para<br />

se irem também, e dar lugar a mais e mais e mais, que cederão todas à mesma lei<br />

<strong>do</strong> esquecimento, desfalques e remédios. Onde está a terra firme<br />

Quan<strong>do</strong> eu fazia esta pergunta e quase respondia Lao-Tsé, contemporâneo<br />

de Confúncio, de quem o Jornal <strong>do</strong> Comércio publicou há dias algumas verdades<br />

verdadeiras, eis que ouço o grito na rua, um pregão, uma voz esganiçada; era a<br />

terra firme, eram as cegonhas de Chateaubriand: "Um de resto! Anda hoje! Duzentos<br />

contos!" Homens e leis têm vida limitada, — eles por necessidade física, — elas por<br />

necessidades morais e políticas; mas a loteria é eterna. A Loteria é a própria Fortuna<br />

e a Fortuna é a deusa que não conhece incrédulos nem renega<strong>do</strong>s. A cidade fala de<br />

umas cousas que esquece, crimes públicos, crimes particulares; mas loteria não é<br />

crime particular nem público! Um de resto! Anda hoje! duzentos contos!<br />

[198]<br />

[22 novembro]<br />

A natureza tem segre<strong>do</strong>s grandes e inopináveis. Não me refiro especialmente<br />

ao de anteontem, no Cassino Fluminense, onde algumas senhoras e homens de<br />

sociedade nos deram ópera, <strong>com</strong>édia e pantomima, <strong>com</strong> tal propriedade, graça e<br />

180

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