Baixe o PDF do Livro! - Mensagens com Amor
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mas para o meu vizinho. Não importa; estava aberto e pude lê-lo. Era uma intimação<br />
da intendência municipal.<br />
Esta intimação <strong>com</strong>eçava dizen<strong>do</strong> que ele tinha de ir pagar a certa casa, na<br />
Rua Nova <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r, a quantia de mil e quinhentos réis, preço da placa <strong>do</strong> número<br />
da casa em que mora. Concluí que também eu teria de pagar mil e quinhentos<br />
quan<strong>do</strong> recebesse igual papel, porque a minha casa também recebera placa nova.<br />
O papel era assina<strong>do</strong> pelo fiscal. Achei tu<strong>do</strong> correto, salvo o ponto de ir pagar a um<br />
particular, e não à própria intendência; mas a explicação estava no fim.<br />
Se a pessoa intimada não pagasse no prazo de três dias, incorreria na multa<br />
de trinta mil-réis. Estaquei por um instante; três dias, trinta mil-réis, por uma placa,<br />
era um pouco mais <strong>do</strong> que pedia o serviço, — um serviço que, a rigor, a intendência<br />
é quê devia pagar. Mas estava longe <strong>do</strong>s meus espantos. Continuei a leitura, e vi<br />
que, no caso de reincidência, pagaria o <strong>do</strong>bro (sessenta mil-réis) e teria oito dias de<br />
cadeia. Tu<strong>do</strong> isto em virtude de um contrato.<br />
O papel e a alma caíram-me aos pés. Oito dias de cadeia e sessenta mil-réis<br />
se não pagar uma placa de mil e quinhentos! Tu<strong>do</strong> por contrato. Afinal apanhei o<br />
papel, e ainda uma vez o li; meditei e vi que o contrato podia ser pior, — podia<br />
estatuir a perda <strong>do</strong> nariz, em vez da simples prisão. A liberdade volta; nariz corta<strong>do</strong><br />
não volta. Além disso, se Xavier de Maistre, em quarenta e <strong>do</strong>us dias de prisão,<br />
escreveu uma obra-prima, por que razão, se eu for encarcera<strong>do</strong> por causa de placa,<br />
não escreverei outra Quem sabe se a falta da cadeia não é que me impede esta<br />
consolação intelectual Não, não há pena; esta cláusula <strong>do</strong> contrato é antes um<br />
benefício.<br />
Verdade é que um legista, amigo meu, afirma que não há carcereiro que<br />
receba um deve<strong>do</strong>r remisso de placas. Outro, que não é legista, mas é deve<strong>do</strong>r, há<br />
três meses, assevera que ainda ninguém o convi<strong>do</strong>u a ir para a Detenção. A pena é<br />
um espantalho. Que desastre! Justamente quan<strong>do</strong> eu <strong>com</strong>eçava a achá-la útil. Pois<br />
se não há cadeia de verdade, é caso de vistoria e demolição.<br />
[119]<br />
[26 fevereiro]<br />
O que mais me encanta na humanidade, é a perfeição. Há um imenso conflito<br />
de lealdades debaixo <strong>do</strong> sol. O concerto de louvores entre os homens pode dizer-se<br />
que é já música clássica. A maledicência, que foi antigamente uma das pestes da<br />
terra, serve hoje de assunto a <strong>com</strong>édias fósseis, a romances arcaicos. A dedicação,<br />
a generosidade, a justiça, a fidelidade, a bondade, andam a ro<strong>do</strong>, <strong>com</strong>o aquelas<br />
moedas de ouro <strong>com</strong> que o herói de Voltaire viu os meninos brincarem nas ruas de<br />
El-Dora<strong>do</strong>.<br />
A organização social podia ser dispensada. Entretanto, é prudente conservála<br />
por algum tempo, <strong>com</strong>o um recreio útil. A invenção de crimes, para serem<br />
publica<strong>do</strong>s à maneira de romances, vale bem o dinheiro que se gasta <strong>com</strong> a<br />
segurança e a justiça públicas. Algumas dessas narrativas são demasia<strong>do</strong> longas e<br />
enfa<strong>do</strong>nhas, <strong>com</strong>o a Maria de Mace<strong>do</strong>, cujo sétimo volume vai adianta<strong>do</strong>; mas isso<br />
mesmo é um benefício. Mostran<strong>do</strong> aos homens os efeitos de um grande enfa<strong>do</strong>,<br />
prova-se-lhes que o tipo de maçante, — ou cacete, <strong>com</strong>o se dizia outrora — é <strong>do</strong>s<br />
piores deste mun<strong>do</strong>, e impede-se a volta de semelhante flagelo. Uma das boas<br />
instituições <strong>do</strong> século é a falange das cousas perdidas, <strong>com</strong>posta <strong>do</strong>s antigos<br />
gatunos e incumbida de apanhar os relógios e carteiras que os descuida<strong>do</strong>s deixam<br />
cair, e restituí-los a seus <strong>do</strong>nos. Tu<strong>do</strong> efeito de discursos morais.<br />
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