Baixe o PDF do Livro! - Mensagens com Amor
Baixe o PDF do Livro! - Mensagens com Amor
Baixe o PDF do Livro! - Mensagens com Amor
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— Não conheço.<br />
— Nem eu; mas tanto ele, <strong>com</strong>o o Manuel Beckman, executa<strong>do</strong>s neste triste<br />
dia de mortos ... Lá vão <strong>do</strong>us séculos! Em ver e, passaram mais de duzentos anos, e<br />
a memória deles ainda vive. Nobre Maranhão!<br />
O viúvo mordeu os beiços; depois, <strong>com</strong> um toque de ironia triste, murmurou:<br />
— Quan<strong>do</strong> lhe perguntei o que havia de novo, esperava alguma cousa mais<br />
recente.<br />
— Mais recente só a morte de Rocha Pita, neste mesmo dia, em 1738. Note<br />
<strong>com</strong>o a história se entrelaça <strong>com</strong> os historia<strong>do</strong>res; morreram no mesmo dia, talvez à<br />
mesma hora, os que a fazem e os que a escrevem.<br />
O viúvo sumiu-se; eu deixei-me ir costean<strong>do</strong> aquelas casas derradeiras, cujos<br />
mora<strong>do</strong>res não perguntaram nada, naturalmente porque já tiveram resposta a tu<strong>do</strong>.<br />
Necrópole da minha alma, aí é que eu quisera residir e não nesta cidade inquieta e<br />
curiosa, que não se farta de perscrutar, nem de saber. Se aí estivesse de uma vez,<br />
não ouviria <strong>com</strong>o no dia seguinte, sexta-feira, a mesma eterna pergunta. Era já cerca<br />
de 11 horas quan<strong>do</strong> saí de casa, arma<strong>do</strong> de um naufrágio, um terrível naufrágio,<br />
meu amigo.<br />
— Onde Que naufrágio<br />
— O cadáver da principal vítima não se achou; o mar serviu-lhe de sepultura.<br />
Natural sepultura; ele cantou o mar, o mar pagou-lhe o canto arrebatan<strong>do</strong>-o à terra e<br />
guardan<strong>do</strong>-o para si. Mas vá que se perdesse o homem; o poema, porém, esse<br />
poema, cujos quatro primeiros cantos aí ficaram para mostrar o que valiam os outros<br />
... Pobre Brasil! pobre Gonçalves Dias! Três de novembro, dia terrível; 1864, ano<br />
detestável! Lembro-me <strong>com</strong>o se fosse hoje. A notícia chegou muitos dias depois <strong>do</strong><br />
desastre. O poeta voltava ao Maranhão ...<br />
Raros ouviam o resto. Os que ouviam, mandavam-me interiormente a to<strong>do</strong>s<br />
os diabos. Eu, sereno, ia contan<strong>do</strong>, contan<strong>do</strong>, e recitava versos, e dizia a impressão<br />
que tive a primeira vez que vi o poeta. Estava na sala de redação <strong>do</strong> Diário <strong>do</strong> Rio,<br />
quan<strong>do</strong> ali entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me<br />
dissessem o nome; adivinhei quem era. Gonçalves Dias! Fiquei a olhar, pasma<strong>do</strong>,<br />
<strong>com</strong> todas as minhas sensações e entusiasmos da a<strong>do</strong>lescência. Ouvia cantar em<br />
mim a famosa "Canção <strong>do</strong> Exílio". E toca a repetir a canção, e a recitar versos sobre<br />
versos. Os intrépi<strong>do</strong>s, se me agüentavam até o fim, marcavam-me; eu só os deixava<br />
moribun<strong>do</strong>s.<br />
No sába<strong>do</strong>, notei que os pergunta<strong>do</strong>res fugiam de mim, <strong>com</strong> receio, talvez, de<br />
ouvir a queda <strong>do</strong> império romano ou a conquista <strong>do</strong> Peru. Eu, por não fiar <strong>do</strong>s<br />
tempos, saí <strong>com</strong> a morte de Torres Homem no bolso; era recentíssima, podia<br />
enganar o estômago. Creio, porém, que a explosão da véspera bastou às<br />
curiosidades vadias. Não me arguam de impiedade. Se é certo, <strong>com</strong>o já se disse,<br />
que os mortos governam os vivos, não é muito que os vivos se defendam <strong>com</strong> os<br />
mortos. Dá-se assim uma confederação tácita para a boa marcha das cousas<br />
humanas.<br />
Hoje não saio de casa; ninguém me perguntará nada. Não me perguntes tu<br />
também, leitor indiscreto, para que eu te não responda <strong>com</strong>o na <strong>com</strong>édia, após o<br />
51