João LuÃs Nabo - Index of - Universidade de Évora
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<strong>de</strong>screve como “<strong>de</strong>lightful horror, a sort <strong>of</strong> tranquillity tinged with terror” 46 , que ocorre na mente do<br />
sujeito <strong>de</strong>vido à existência <strong>de</strong> uma probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ameaça e, no caso em estudo na presente<br />
dissertação, <strong>de</strong> uma provável fragmentação do Eu. Burke admite, pois, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
articulação paradoxal entre o prazer e o terror, o que consi<strong>de</strong>ra ser “a source <strong>of</strong> the sublime.” 47<br />
Em termos médicos, essa sensação <strong>de</strong> fragmentação po<strong>de</strong> ser provocada por um grave estado<br />
<strong>de</strong>pressivo. É essa uma das circunstâncias em que, como William Styron refere no livro Darkness<br />
Visible (2004), o paciente começa a sentir-se acompanhado “by a second self”: uma entida<strong>de</strong> que<br />
observa a agonia do seu original enquanto este luta por recuperar a sanida<strong>de</strong> mental, ou se entrega à<br />
<strong>de</strong>struição 48 . A insegurança perante uma ameaça da sua substituição ou, em limite extremo, da sua<br />
aniquilação é uma das fontes mais directas <strong>de</strong> terror que perturbará, ao mais elevado grau, personagens<br />
como Tertuliano Máximo Afonso, Golyadkin ou William Wilson. Peter B. Wal<strong>de</strong>ck <strong>de</strong>fine assim o<br />
Duplo, em The Split Self from Goethe to Broch (1979): “Two outwardly unrelated individuals caught<br />
in the paradox <strong>of</strong> requiring unity for their salvation, and at the same time knowing somehow (or acting<br />
as though with unconscious knowledge) that in such a unity one <strong>of</strong> them must be annihilated as an<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt consciousness.” 49 A fragmentação do sujeito, consubstanciada na existência <strong>de</strong> um Duplo,<br />
ambos produtos <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong> forte <strong>de</strong>pressão, é um tema transversal na literatura e na arte, em<br />
torno do qual se escreveram obras perturbadoras como as que iremos analisar.<br />
Algumas das personagens <strong>de</strong> Bret Easton Ellis, como por exemplo Victor Ward, em Glamorama<br />
(1998), ou Bret Easton Ellis, em Lunar Park, vivem também momentos <strong>de</strong> pr<strong>of</strong>undo terror, quando,<br />
em <strong>de</strong>terminados momentos da narrativa, sentem em risco a própria existência ao serem confrontados<br />
com uma representação <strong>de</strong> si próprios. Mais aterrorizante é o facto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecerem se os seus<br />
Duplos são reais ou produtos <strong>de</strong> alucinações provocadas pela exagerada ingestão <strong>de</strong> drogas e álcool.<br />
Patrick Bateman é uma das personagens que, nas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras páginas do romance American Psycho<br />
(1991), começa a duvidar que tenha praticado os crimes hediondos que acabara <strong>de</strong> narrar.<br />
No seu estudo “Das Unheimliche” (1919), com o título “The Uncanny”, na versão inglesa,<br />
Freud <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a existência do Duplo com origem na infância, isto é, no passado, sendo o Duplo<br />
“originally an insurance against the <strong>de</strong>struction <strong>of</strong> the ego.” 50 Freud atribui a sua génese a um efeito<br />
emocional, transformado numa ansieda<strong>de</strong> mórbida através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> repressão. Essa<br />
ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida como a reacção a algo reprimido que, embora afastado do Consciente<br />
46 Ibi<strong>de</strong>m. p. 123.<br />
47 Ibi<strong>de</strong>m. p. 36.<br />
48 William Styron, Darkness Visible, p. 64.<br />
49 Peter B. Wal<strong>de</strong>ck, The Split Self from Goethe to Broch, p. 16.<br />
50 Sigmund Freud, “The Uncanny”. In The Uncanny, p. 142.<br />
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