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João Luís Nabo - Index of - Universidade de Évora

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Já em Poe se observa a característica do texto Gótico <strong>de</strong> absorver para as suas páginas tudo o<br />

que vive em seu redor, questão que nos é apresentada <strong>de</strong> forma metafórica em “The Oval Portrait”.<br />

Nesta short story, como adiante explicaremos com mais pormenor, o retrato <strong>de</strong> uma bela mulher vai,<br />

aos poucos, por acção do artista, substituindo a mulher real, que acaba por sucumbir. A escolha <strong>de</strong>ste<br />

exemplo na literatura <strong>de</strong> Poe pren<strong>de</strong>-se com um duplo objectivo. O primeiro, já <strong>de</strong>finido, encontra-se<br />

ligado à energia que o artista transmite à sua obra, enchendo-a <strong>de</strong> vida, e o segundo tem ligação ao<br />

carácter <strong>de</strong> auto-reflexivida<strong>de</strong> com que o texto é apresentado. É aqui que se encontra uma das<br />

características da sua obra que faz <strong>de</strong> Poe um autor mo<strong>de</strong>rno. Essa atitu<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na forma como<br />

projecta nas suas histórias os seus próprios terrores, <strong>de</strong>vido ao facto <strong>de</strong> atravessar pessoalmente<br />

momentos <strong>de</strong> enorme s<strong>of</strong>rimento psíquico. Consequentemente, as suas personagens po<strong>de</strong>rão ser<br />

entendidas como projecções da sua mente, visto o escritor ser um indivíduo que se transcen<strong>de</strong> a si<br />

próprio negativamente, <strong>de</strong>vido às obsessões que o atormentam relacionadas com a morte e a loucura.<br />

Seguindo esta perspectiva, Brian Docherty conclui em American Horror Fiction: from Brock<strong>de</strong>n<br />

Brown to Stephen King (1990) que Poe introduziu algo novo na literatura Gótica, sendo consi<strong>de</strong>rado<br />

muitas vezes “an autobiographical writer, dramatising the workings <strong>of</strong> his own inner psychology, as if<br />

Ro<strong>de</strong>rick Usher was a representation <strong>of</strong> Poe himself.” 160 Poe viveu os conflitos, as dúvidas e o<br />

s<strong>of</strong>rimento com que construiu psicologicamente as personagens, em cenários que revelavam, <strong>de</strong><br />

acordo com David Grantz, “the impending psychic collapse <strong>of</strong> his main character – himself.” 161 Assim,<br />

somos levados a consi<strong>de</strong>rar que o lado negativo da psique das personagens <strong>de</strong> Poe e a sua consequente<br />

<strong>de</strong>sintegração mental po<strong>de</strong>m ser variantes <strong>de</strong> uma mesma história, que reflecte o s<strong>of</strong>rimento do autor<br />

provocado pelo terror <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> lidar com a sua própria mente em <strong>de</strong>sagregação. Essas personagens são<br />

também projecções do conflito entre Consciente e Inconsciente, entre Razão e Emoção, uma luta que<br />

ele próprio sentiu, num esforço <strong>de</strong>, através da sua ficção meticulosa e da expressão intelectualizada das<br />

suas próprias emoções, controlar a fragmentação <strong>de</strong> que foi vítima.<br />

Revelada no seu ensaio “The Philosophy <strong>of</strong> Composition”, essa forma metódica, baseada mais<br />

na razão do que na emoção, servirá para atribuir ao acto da escrita origens verda<strong>de</strong>iramente credíveis.<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> Poe, e como já referimos neste capítulo, nada na escrita <strong>de</strong>ve ser feito ao acaso.<br />

Antes <strong>de</strong> começar a escrever, o autor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado texto <strong>de</strong> ficção <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>finir o efeito que quer<br />

produzir e, só <strong>de</strong>pois, seleccionar os instrumentos para criar aquilo a que chama a Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Efeito,<br />

constituída pelo tom, tema, cenários e enredo. Uma das preocupações do escritor <strong>de</strong>ve ser “the choice<br />

<strong>of</strong> an impression, or effect, to be conveyed.” 162 É natural que, em vez <strong>de</strong> colocar a emoção ao serviço<br />

da palavra, o autor proceda <strong>de</strong> modo contrário, obrigando a emoção a ser representada pela palavra<br />

160 Brian Docherty, American Horror Fiction: from Brock<strong>de</strong>n Brown to Stephen King, p. 3.<br />

161 David Grantz, “A Fissure <strong>of</strong> Mind: The Primal Origins <strong>of</strong> Poe’s Doppelganger as Reflected in Ro<strong>de</strong>rick Usher”, acedido<br />

em 25/10/06, em: http://www.poe<strong>de</strong>co<strong>de</strong>r.com/essays/fissure.<br />

162 Edgar Allan Poe, “The Philosophy <strong>of</strong> Composition”. In Edgar Allan Poe Selected Writings, p. 483.<br />

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