Retorno_a_Historia_Do_Pensamento_Cristao_-_Justo_Gonzalez
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que obviamente sobreviveu à perseguição, tenha sido um dos cristãos<br />
donos de escravos.<br />
O próprio Irineu se desculpa por seu uso precário da língua<br />
grega, afirmando que vive entre os celtas e que, em todo caso,<br />
nunca estudou retórica. Embora seu estilo e uso da gramática grega<br />
nos façam pensar que sua referência aos celtas não passe de uma<br />
prática literária comum, pois na realidade conhecia e escrevia bem<br />
o grego, suas obras não indicam que conhecesse e dominasse as<br />
teorias e práticas retóricas das escolas. Além disso, é de se supor<br />
que entre seus convertidos celtas, considerados “bárbaros” tanto<br />
pelos romanos quanto pelo próprio Irineu, não houvesse pessoas<br />
de alto status social.<br />
Em todo caso, se a teologia de Irineu reflete a antiga tradição<br />
da Ásia Menor e da Síria, é nessa direção que devemos olhar se<br />
quisermos vislumbrar algo do pano de fundo social de seu pensamento.<br />
Irineu cresceu em meio às recordações da perseguição sob<br />
<strong>Do</strong>miciano, que deu origem ao Apocalipse de João. A Ásia Menor era<br />
famosa por sua devoção ao culto do imperador e, portanto, também<br />
pelas dificuldades que isto acarretava para os cristãos^'. Inácio, o<br />
famoso bispo de Antioquia, foi levado dali para Roma, onde morreu<br />
como mártir. Na mesma época, na província da Bitínia, situada perto<br />
dali, ao norte da província da Ásia, o governador Plínio, o Moço,<br />
torturava os cristãos para aprender mais sobre sua fé e suas práticas<br />
religiosas e mandava executar aqueles que persistissem em sua fé.<br />
Algum tempo depois, o mestre do próprio Irineu, Policarpo, morreu<br />
como mártir. (Seria talvez para fugir dessa perseguição que Irineu e<br />
outros cristãos de Esmirna emigraram para a Gália?)<br />
Como em outras regiões do Império, a igreja da Ásia Menor e<br />
da Síria abrigava pessoas relativamente ricas, assim como escravos<br />
e outras pessoas das classes mais baixas da sociedade. O que todas<br />
elas tinham em comum, possivelmente desde a época das visitas<br />
de Paulo e com certeza desde os tempos do Apocalipse, era que a<br />
sociedade circundante as rejeitava. Embora nem todos os crentes<br />
fossem pobres, parece que os que tinham mais recursos e distinção<br />
eram o que os sociólogos de hoje chamariam de pessoas “de alta<br />
S tam baugh e B alch, The New Testament, p. 151.