Retorno_a_Historia_Do_Pensamento_Cristao_-_Justo_Gonzalez
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A principal dificuldade lógica de tal posição é que ela impossibilita<br />
a relação entre Deus e o mundo'*. Isto nos recorda as dificuldades<br />
pelas quais Platão passou em suas tentativas de explicar como suas<br />
ideias eternas se relacionavam com o particular e o histórico — uma<br />
dificuldade com a qual lutou sem sucesso em Parmênides.<br />
Meio século antes da época de Orígenes, Justino havia enfrentado<br />
o problema da relação entre o Deus imutável e o mundo mutável —<br />
c, ainda antes dele, entre os platônicos judeus, Filo tentou o mesmo.<br />
Se Deus é transcendente e imutável, é necessário se fazer a pergunta:<br />
Como tal Deus pode se relacionar com um mundo mutável? A resposta<br />
de Justino, seguindo as pegadas de outros pensadores pagãos<br />
e judeus, foi fazer do Logos, ou Verbo, um intermediário entre Deus^<br />
e o mundo. Bem mais tarde, uma concepção semelhante fornecerá<br />
a base para a postura teológica dos arianos de maior inclinação filosófica.<br />
Mas, como Atanásio diria com toda a razão a seus oponentes<br />
arianos, isso não resolve o problema. Pelo contrário, complica a<br />
questão, pois então é preciso perguntar se o Logos é mutável ou<br />
imutável. Se for mutável, não há dificuldade para que ele se comunique<br />
com o mundo. Neste caso, entretanto, é preciso perguntar como<br />
um Logos mutável pode se comunicar com um Deus imutável, ou<br />
como ele pode ser a revelação desse Deus ao mundo. Por outro lado,<br />
se o Logos for imutável, não teria dificuldade em se relacionar com<br />
Deus, cuja verdadeira revelação ele certamente poderia ser; mas não<br />
poderia se relacionar com o mundo mutável'®. A resposta de Justino,<br />
por certo bem pouco filosófica, e que logo foi rejeitada porque se<br />
aproximava excessivamente do politeísmo, foi chamar o Logos de<br />
“segundo deus” e afirmar que ele de algum modo é menos divino do<br />
que o Deus imutáveP“.<br />
“A d outrina da im utabilidade absoluta de D eus colocou severos lim ites à nossa com preensão<br />
dos dem ais atributos divinos. [...] E ra necessário que D eus conhecesse um m undo m utável<br />
de um m odo totalm ente im utável; que atuasse sobre um m undo da natureza e da história<br />
hum ana que se desenrolam dentro do tem po de um m odo com pletam ente atem poral; e que<br />
sc m antivesse tão distante do tem po que estivessem contidos todo o passado, o presente e o<br />
1'uturo do universo de um a m aneira sim ultânea, e não sucessiva.” R . B. E dw ards, “The Pagan<br />
<strong>Do</strong>ctrine o f the Absolute Unchangeableness o f God”, in: Religious Studies, 1978, p. 305.<br />
’’ A tanásio, Oratio contra Ar. 2.26. Irineu parece ter se dado conta dessa dificuldade de toda<br />
Icologia que se baseie na absoluta transcendência divina, com o se pode ver em seu argum ento<br />
sobre o Plerom a dos gnósticos e sua relação com o universo: Adv. haer. 2.1.3.<br />
'«Dial. 56.11.