Retorno_a_Historia_Do_Pensamento_Cristao_-_Justo_Gonzalez
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de experiência e discernimento, não ousam abrir a boca. Mas<br />
é só surpreenderem seus filhos acompanhados de mulheres<br />
incultas e idiotas, começam a falar coisas estranhas: sem<br />
consideração com o pai ou com os preceptores, acham que<br />
todos devem acreditar apenas neles; os outros não passam<br />
de impertinentes estúpidos, que ignoram o verdadeiro bem,<br />
incapazes de realizá-lo, preocupados com vis banalidades;<br />
só eles sabem como se deve viver; que as crianças acreditem<br />
neles e serão felizes e a felicidade iluminará a casa! Mas<br />
se enquanto estão falando veem chegar os preceptores desta<br />
juventude, homens de discernimento, ou o próprio pai, os<br />
tímidos fogem tremendo, os atrevidos incitam as crianças<br />
à revolta: cochicham-lhes que, na presença do pai ou dos<br />
preceptores, não hão de querer nem podem explicar nada de<br />
bom às crianças, porque lhes repugnam a idiotice e a grosseria<br />
destas pessoas totalmente corrompidas e enterradas no<br />
vício que poderiam mandar castigá-los. Se quiserem, basta<br />
deixar lá o pai e os preceptores, vir com as mulheres incultas<br />
e os companheiros de brinquedos, à oficina do tecelão, à<br />
tenda do sapateiro ou à barraca do pisoeiro para atingirem<br />
a perfeição.^<br />
Em vez de refutar os detalhes de tal descrição, Orígenes se contenta<br />
em dizer que se trata de uma “calúnia”. E isto leva muitos<br />
historiadores a pensar que, nessas linhas, Celso retrata com certa<br />
veracidade pelo menos alguns setores da igreja alexandrina. Por<br />
outro lado, fica claro que Orígenes não se orgulhava do baixo nível<br />
social de seus correligionários cristãos. Em contraposição a Taciano,<br />
ele não se orgulhava da origem “bárbara” dessa “filosofia” cristal<br />
Ao contrário, a direção fundamental de toda a sua produção literária<br />
é mostrar que o cristianismo é perfeitamente compatível com o<br />
“melhor” da filosofia grega e helenista. A descrição feita por Celso<br />
daquilo que hoje poderíamos chamar de “evangelismo de cozinha”<br />
deve ter sido dolorosa para nosso teólogo — ainda mais por ser em<br />
^ O rígenes, Contra Celso, 3.55. T radução para o português de O rlando dos R eis, São Paulo:<br />
Paulus, 2004, p. 253-254.<br />
^ Veja Taciano, Or ad Graec., 1.