Retorno_a_Historia_Do_Pensamento_Cristao_-_Justo_Gonzalez
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do pensamento cristão resumimos os aspectos essenciais de seu<br />
pensamento, não é necessário repeti-los aqui. Entretanto, é conveniente<br />
que examinemos como essas duas teologias, aparentemente<br />
tão diversas, podem ser classificadas sob o tipo B.<br />
Em vários sentidos, Erígena foi o Orígenes do século IX. Num<br />
grau ainda mais elevado do que a de Orígenes, sua teologia era um<br />
amplo sistema especulativo cuja inspiração não se encontrava nas<br />
Escrituras, mas na tradição platônica. Nesse sentido, ele chegou a<br />
afirmar que a Bíblia foi dada aos simples e, por isso, se expressa<br />
através de metáforas’^'. Os sábios estão cientes de que ela, na<br />
verdade, se refere a realidades superiores. Essas realidades são de<br />
ordem espiritual e intelectual — para Erígena, não há grande diferença<br />
entre o espiritual e o intelectual. Em todo caso, as características<br />
dessa teologia são também as do tipo B: a ordem do intelecto<br />
é superior à ordem da matéria e da história; as Escrituras devem ser<br />
interpretadas alegoricamente; a linguagem filosófica é mais apropriada<br />
do que a bíblica para expressar a natureza de Deus; os cristãos<br />
se dividem entre “sábios” e “simples”; etc. Em tudo isso, Erígena<br />
bateu de frente com boa parte de seus contemporâneos e, por isso,<br />
nunca teve verdadeiros seguidores, embora mais tarde tenha sido<br />
citado com frequência.<br />
Abelardo, por sua vez, produziu uma teologia diferente da de<br />
Erígena. Essa diferença se deve principalmente ao fato de Abelardo<br />
não ter se deixado levar pela influência platônica da mesma forma<br />
que Erígena. Mas também nele se encontram vários elementos<br />
característicos da teologia do tipo B. Entre esses elementos destaca<br />
-se a arrogância intelectual. Já vimos que os alexandrinos falavam<br />
de “verdadeiros gnósticos” em contraposição aos cristãos “simples”<br />
ou “carnais”, e Erígena estabeleceu um contraste entre os “sábios”<br />
— entre os quais, naturalmente, ele próprio se encontrava — e os<br />
“simples”. Abelardo escreveu toda urtla autobiografia cuja finalidade<br />
é mostrar o quanto seu intelecto era superior ao de todos os<br />
seus contemporâneos e como isso lhe acarretou frequentes dificuldades.<br />
Em outra obra. Sim e não, ele tentou provar que era necessário<br />
apelar para a razão, e não para as autoridades antigas, mostrando que<br />
“ De div. nat. 1.26.