Retorno_a_Historia_Do_Pensamento_Cristao_-_Justo_Gonzalez
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que explique a encarnação de acordo com esses termos é como pedir<br />
a um cozinheiro que nos sirva sorvete quente"!<br />
Em todo caso, o importante é enfatizar que, embora esses debates<br />
tenham ocorrido principalmente no Oriente, o impacto também<br />
se fez sentir no Ocidente. Com efeito, visto que os quatro grandes<br />
concílios — assim como os seguintes — desfrutaram de autoridade<br />
dogmática no Ocidente e visto que eles pressupunham a ideia<br />
de Deus que era característica da teologia do tipo B, essa forma<br />
de entender a natureza divina acabou fazendo parte da teologia<br />
ocidental, que, apesar disso, continuou em todo o resto seguindo<br />
basicamente o tipo A.<br />
O outro fator que contribuiu muito para essa incorporação de<br />
certos elementos do tipo B dentro de uma teologia do tipo A foi a<br />
obra de Agostinho. Sem entrar em detalhes a respeito da biografia<br />
e da teologia de Agostinho, é importante enfatizar que sua mãe,<br />
Mônica, era cristã, e tudo o que sabemos dela e de sua fé, através do<br />
testemunho do filho, sugere-nos que sua concepção do cristianismo<br />
era do tipo A. O jovem Agostinho tinha dificuldades com vários<br />
elementos da fé cristã tal como os havia aprendido em seu lar, e foi<br />
só depois de conhecer a filosofia dos neoplatônicos e vislumbrado<br />
a possibilidade de interpretar a fé em termos dessa filosofia que ele<br />
abraçou a fé de sua mãe. De fato, com frequência se assinalou que a<br />
famosa conversão no jardim de Milão, mais do que uma conversão<br />
à fé cristã, foi uma conversão ao que os platônicos consideravam a<br />
vida filosófica.<br />
Entretanto, a realidade parece ser mais complexa. O fato é que,<br />
essencialmente, Agostinho continuava compreendendo a fé cristã<br />
conforme sua mãe lhe ensinara, ou seja, como um sistema legal.<br />
'' De fato, as alternativas que esse cozinheiro tem são sem elhantes às que adotaram vários<br />
teólogos condenados com o hereges no curso dos debates cristológicos. U m a alternativa é pegar<br />
todos os elem entos que o sorvete contém (ovos, leite, açúcar, etc.), aquecê-los e cham á-los de<br />
“ sorvete quente” . E ssa foi a alternativa da cham ada “escola de A lexandria” e, em particular,<br />
do m onofisism o, que estava disposto a afirm ar que Jesus C risto é “de duas naturezas”, m as não<br />
“cm duas naturezas” . A segunda alternativa é pegar o sorvete e, de algum a m aneira, recobri-lo<br />
dc um a substância quente. H á um a receita de confeitaria em que um bloco de sorvete é coberto<br />
dc m erengue e biscoitos, posto num forao a alta tem peratura e depois servido com o “ sorvete<br />
quente” . E sta alternativa de separar a divindade e a hum anidade de tal m odo que am bas sejam<br />
com patíveis é sem elhante à do nestorianism o.