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Qualidade de Vida, Mobilidade e Segurança nas Cidades_ Vol. 1

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vivemos, que não ape<strong>nas</strong> vivemos por viver, mas que temos compromissos, que precisamos cumprir<br />

horários, que vivemos em função <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados fins. Se não é possível separar os humanos dos<br />

outros animais em termos genéticos, é possível ao menos separá-los em termos cinéticos.<br />

Minimizando o uso das nossas potencialida<strong>de</strong>s corporais, enfatizamos que somos seres pensantes.<br />

Talvez não sejamos animais com algo a mais e sim com algo a menos.<br />

As cida<strong>de</strong>s não são construídas para exercemos nossas potencialida<strong>de</strong>s corporais. As cida<strong>de</strong>s<br />

são construídas para reforçar a nossa <strong>de</strong>sanimalização, a nossa <strong>de</strong>sprimatação (WESTON, 1999). E<br />

isso vale tanto para os espaços interiores quanto para os exteriores. Eu lembro que, quando era<br />

criança, eu gostava <strong>de</strong> escalar os corredores <strong>de</strong> casa. Eu apoiava uma mão na pare<strong>de</strong> esquerda,<br />

<strong>de</strong>pois a outra na pare<strong>de</strong> direita, em seguida um pé na pare<strong>de</strong> esquerda e o outro na pare<strong>de</strong> direita, e<br />

com a ajuda do atrito eu me suspendia até encostar a cabeça no teto. No entanto, à medida em que<br />

crescemos, os corredores e os portais tornam-se mais estreitos, dificultando progressivamente a<br />

escalada. Nós crescemos e eles continuam do mesmo tamanho, o que faz com que a proporção i<strong>de</strong>al<br />

para a escalada se dissolva no passado. No fim das contas, até mesmo porque a cultura simiesca não<br />

é incentivada, a brinca<strong>de</strong>ira per<strong>de</strong> a graça.<br />

Os espaços artificiais que construímos ao nosso redor não reconhecem que somos primatas<br />

nem que somos capazes <strong>de</strong> muito mais proezas biocinéticas do que imagina a nossa vã filosofia. O<br />

fato <strong>de</strong> que as crianças às vezes se servem das pare<strong>de</strong>s paralelas para exercerem suas potências<br />

motoras naturais é uma mera contingência, um mero aci<strong>de</strong>nte. Elas não foram construídas com esse<br />

propósito. Mas por um mero acaso possuem características que facilitam a vazão do modo <strong>de</strong> ser<br />

propriamente humano, isto é, do modo <strong>de</strong> ser propriamente animal, propriamente primata das<br />

crianças, que ainda não abriram mão <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> força encarnada. As pare<strong>de</strong>s não existem<br />

para nós e sim contra nós. Elas não servem para acolher as nossas potências e sim para controlá-las<br />

e mantê-las quietas. Isso vale especialmente para as cercas e os muros exteriores. Por que são tão<br />

altos? Por que diariamente aumenta o número <strong>de</strong> muros eletrificados? Porque é fato notório que<br />

nós, seres humanos, somos capazes <strong>de</strong> escalá-los. Eles ao mesmo tempo reconhecem e tolhem a<br />

habilida<strong>de</strong> extraordinária da nossa espécie. Quem se atrever a escalar um muro, quem se atrever a<br />

fazer aquilo que, ao longo <strong>de</strong> milhares e milhares <strong>de</strong> gerações, foi lentamente preparado para fazer,<br />

enfrentará, sem dúvida, uma série <strong>de</strong> problemas, e o pastor alemão do outro lado do muro será<br />

talvez o menor <strong>de</strong>les. Exercer toda a nossa potência animal <strong>de</strong> maneira livre e espontânea é crime.<br />

Existem lugares e horários específicos para escalarmos.<br />

Desse ponto <strong>de</strong> vista, realmente vivemos em cárceres. As nossas casas estão para nós assim<br />

como as gaiolas estão para os pássaros. Aquilo que as gaiolas fazem é proporcionar um ambiente<br />

ina<strong>de</strong>quado para os pássaros, que são seres voadores. Por mais espaçosas que sejam, elas impe<strong>de</strong>m<br />

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