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como o problema do grego era o movimento: as coisas são problemáticas porque se<br />
movem, porque mu<strong>da</strong>m, porque chegam a ser e deixam de ser o que são. O que se opõe<br />
ao ser é o não ser, o não ser aquilo que se é. Desde o cristianismo aquilo que ameaça o<br />
ser é o na<strong>da</strong>. Para o grego não havia o problema <strong>da</strong> existência <strong>da</strong>s coisas, e para o cristão<br />
é isso que é preciso explicar. As coisas poderiam não ser. É a sua própria existência que<br />
requer uma justificação, e não aquilo que essas coisas são. O grego sente-se estranho ao<br />
mundo pela variabili<strong>da</strong>de deste. Para o grego o mundo é algo que varia; para o homem <strong>da</strong><br />
nossa era é um na<strong>da</strong> que pretende ser. Nesta mu<strong>da</strong>nça de horizonte, ser vai significar uma<br />
coisa toto coelo (totalmente) diferente do que significou para a Grécia; para um grego ser é<br />
estar aí, para o europeu ocidental ser é, antes de mais, não ser um na<strong>da</strong>. Num certo<br />
sentido, pois, o grego filosofa já a partir do ser, e o europeu ocidental, a partir do na<strong>da</strong>.<br />
Esta diferença radical separa as duas grandes etapas filosóficas. O problema fica posto de<br />
duas formas essencialmente distintas: é outro problema. Assim como há dois mundos, este<br />
mundo e o outro, na vi<strong>da</strong> do cristão vai haver dois sentidos distintos <strong>da</strong>s palavras ser, se é<br />
que se pode aplicar em ambos os casos: o ser de Deus e o do mundo. O conceito que<br />
permite interpretar o ser do mundo a partir de Deus é o <strong>da</strong> criação. Temos por um lado,<br />
Deus, o ver<strong>da</strong>deiro ser, criador; por outro lado o ser criado, a criatura, cujo ser é recebido.<br />
A ver<strong>da</strong>de religiosa é a criação que obriga a interpretar esse ser, pondo o problema<br />
filosófico do ser criador e do ser criado, de Deus e <strong>da</strong> criatura. Deste modo, o cristianismo<br />
que não é filosofia, afeta a filosofia de um modo decisivo, e esta filosofia que surge <strong>da</strong><br />
situação radical do homem cristão é aquela a que se pode chamar, neste sentido concreto,<br />
filosofia cristã. Não se trata, pois, de uma consagração pelo cristianismo de nenhuma<br />
filosofia nem <strong>da</strong> impossível adesão <strong>da</strong> religião cristã a nenhuma delas, mas de uma<br />
filosofia que emerge <strong>da</strong> situação capital em que o cristianismo se encontra: a <strong>da</strong> sua<br />
própria reali<strong>da</strong>de ante Deus. Num sentido lato, isto sucede em to<strong>da</strong> a filosofia européia<br />
posterior à Grécia e, de modo especial, na dos primeiros séculos <strong>da</strong> nossa era e na<br />
filosofia medieval.<br />
claudiordutra@hotmail.com<br />
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