A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA…Revisão <strong>de</strong>LiteraturaA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA –UMA REVISÃO TEÓRICA 1THE EVOLUTION OF FAMILY IN HISTORY –A THEORETICAL REVIEWLA EVOLUCIÓN HISTÓRICA DE LA FAMILIA –UNA REVISIÓN TEÓRICAPaula Cambraia <strong>de</strong> Mendonça Vianna 2Sônia Barros 3RESUMOTrata-se <strong>de</strong> uma revisão teórica sobre a evolução histórica da família, buscando i<strong>de</strong>ntificar a sua organização e os alicercesque a sustentam, da Antiguida<strong>de</strong> até o Estado Mo<strong>de</strong>rno, com o objetivo <strong>de</strong> propiciar aos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> umamelhor compreensão <strong>de</strong>sta instituição que t<strong>em</strong> sido um lócus importante para a impl<strong>em</strong>entação das práticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Palavras-chave: Família; História; Evolução; Equipe <strong>de</strong> Assistência ao PacienteABSTRACTThis study is a review of the literature on the evolution of the family in history. It also contextualizes their forms of social,political, economic and cultural organization, from early times until the mo<strong>de</strong>rn state. Our objective is to provi<strong>de</strong> healthprofessionals with a better comprehension of this institution, that has been a very important locus for the impl<strong>em</strong>entationof health practice.Key-words: Family; History; Evolution; Patient Care TeamRESUMENEste estudio trata <strong>de</strong> una revisión teórica <strong>de</strong> la evolución histórica <strong>de</strong> la familia, intentando i<strong>de</strong>ntificar sus formas <strong>de</strong>organización y las bases que la sostienen, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la antigüedad hasta el Estado Mo<strong>de</strong>rno. Su objetivo es proporcionar a losprofesionales <strong>de</strong> la salud una visión más clara <strong>de</strong> esta institución que ha sido un espacio importante para impl<strong>em</strong>entarprácticas <strong>de</strong> salud.Palabras clave: Familia; Historia; Evolución; Grupo <strong>de</strong> Atención al Paciente1 Este artigo faz parte da tese <strong>de</strong> Doutorado <strong>de</strong> Paula Cambraia <strong>de</strong> Mendonça Vianna, realizada na <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong>/USP, no período <strong>de</strong> 1999 a 2002.2 Doutora <strong>em</strong> Enfermag<strong>em</strong> pela <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong>/USP. Professora da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong>/<strong>UFMG</strong>.E-mail: paulacambraia@bol.com.br3 Doutora <strong>em</strong> Enfermag<strong>em</strong>. Professora da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong>/USP. E-mail: sobarros@usp.brEn<strong>de</strong>reço para correspondência: Av. Alfredo Balena, 190, sala 600. Cep: 30130-100. Belo Horizonte-MG70 REME – Rev. Min. Enf; 9(1):70-76, jan/mar, 2005
INTRODUÇÃOO t<strong>em</strong>a família t<strong>em</strong> <strong>de</strong>spertado, cada vez mais, o interesse<strong>de</strong> estudiosos <strong>de</strong> correntes teóricas diversas. Explicaro funcionamento da família, a sua realida<strong>de</strong> social ehistórica, as estratégias por ela encontradas para se mantercomo uma instituição social forte e as funções <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhadaspor seus m<strong>em</strong>bros no interior do grupo sãoassuntos que criam polêmica e <strong>de</strong>safiam os pesquisadores.A nosso ver, alguns fatores são essenciais para explicara sua permanência. A família é o espaço primeiro <strong>de</strong>ajustamento e organização das relações e funções a ser<strong>em</strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhadas pelo indivíduo na socieda<strong>de</strong>; é<strong>de</strong>terminante no <strong>de</strong>senvolvimento da afetivida<strong>de</strong>, da sociabilida<strong>de</strong>e do b<strong>em</strong>-estar físico do indivíduo; é espaço <strong>de</strong>proteção contra os perigos do mundo exterior.Para os profissionais que atuam na área da saú<strong>de</strong>,torna-se cada vez mais importante o conhecimento dasformas <strong>de</strong> organização e funcionamento da família, vistoque ela t<strong>em</strong> se tornado um espaço <strong>de</strong> atuação e intervenção<strong>de</strong>sses profissionais. Segundo Wright e Leahey (1) ,“a enfermag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> um compromisso e obrigação <strong>de</strong>incluir a família nos cuidados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. A evidência teórica,prática e investigacional do significado que a famíliadá para o b<strong>em</strong>-estar e a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus m<strong>em</strong>bros, b<strong>em</strong>como a influência sobre a doença, obriga as enfermeirasa consi<strong>de</strong>rar o cuidado centrado na família como parteintegrante da prática <strong>de</strong> enfermag<strong>em</strong>”.O ato <strong>de</strong> cuidar adquire características diferentes <strong>em</strong>cada socieda<strong>de</strong> e é <strong>de</strong>terminado por fatores sociais, culturaise econômicos. Esses fatores vão <strong>de</strong>finir os valorese as condições <strong>em</strong> que se processa o ato cuidador. Portanto,torna-se necessária a compreensão da realida<strong>de</strong>histórica, social e cultural <strong>de</strong> cada família para que o profissional<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> consiga promover uma assistência queatenda o hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> todas as suas dimensões.Com o objetivo <strong>de</strong> propiciar aos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>uma melhor compreensão <strong>de</strong>sta instituição que t<strong>em</strong>sido um locus importante para a impl<strong>em</strong>entação das práticas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, realizar<strong>em</strong>os uma revisão teórica sobre aevolução histórica da família, buscando i<strong>de</strong>ntificar a suaorganização e os alicerces que a sustentam, da Antiguida<strong>de</strong>até o Estado Mo<strong>de</strong>rno.DESENVOLVIMENTOA análise marxista sobre a família é profundament<strong>em</strong>arcada pela obra <strong>de</strong> Engels que nos fornece uma explicaçãomaterialista da família e procura explicar as diferentesformas <strong>de</strong> família nas diferentes classes sociais.No século XX, essa análise marxista da família “t<strong>em</strong> seuponto alto no reconhecimento, pela <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Frankfurt,<strong>de</strong> que ela é uma instituição social e uma i<strong>de</strong>ologia,a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ter um caráter aparent<strong>em</strong>ente privado”. (2)Nesse contexto, pod<strong>em</strong>os afirmar que, na i<strong>de</strong>ologiaburguesa, “a família não é entendida como uma relaçãosocial que assume formas, funções e sentidos diferentestanto <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência das situações históricas quanto <strong>em</strong><strong>de</strong>corrência da situação <strong>de</strong> cada classe social na socieda<strong>de</strong>.Pelo contrário, a família é representada como sendos<strong>em</strong>pre a mesma (no t<strong>em</strong>po e para todas as classes) e,portanto, como uma realida<strong>de</strong> natural (biológica), sagrada(<strong>de</strong>sejada e abençoada por Deus), eterna (s<strong>em</strong>pre existiue s<strong>em</strong>pre existirá), moral (a vida boa, pura, normal, respeitada)e pedagógica (nela se aprend<strong>em</strong> as regras da verda<strong>de</strong>iraconvivência entre os homens, com o amor dospais pelos filhos, com o respeito e t<strong>em</strong>or dos filhos pelospais, com o amor fraterno)”. (3)Para Engels (4) o estudo sobre a família inicia-se <strong>em</strong>1861, com o Direito Materno <strong>de</strong> Bachofen. Nesse livro,esse autor traça a evolução da família, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os povosprimitivos até a passag<strong>em</strong> para a monogamia, frisando asrelações estabelecidas entre os homens e as mulheres,seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e a dominação masculina pelo pátriopo<strong>de</strong>r. Posteriormente, os estudos <strong>de</strong>senvolvidos porMorgan, junto às socieda<strong>de</strong>s indígenas americanas, retomadospor Engels <strong>em</strong> seu livro “A orig<strong>em</strong> da família, daproprieda<strong>de</strong> privada e do Estado”, possibilitaram o estabelecimentodas relações existentes entre família e socieda<strong>de</strong>.Naquele contexto, a ord<strong>em</strong> social está condicionadaao grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho e à família.Quanto menos <strong>de</strong>senvolvido é o trabalho, menor é ariqueza da socieda<strong>de</strong> e maior a influência dos laços <strong>de</strong>parentesco sobre o regime social. Portanto, a família “éo el<strong>em</strong>ento ativo, nunca permanece estacionária, maspassa <strong>de</strong> uma forma inferior a uma forma superior, àmedida que a socieda<strong>de</strong> evolui <strong>de</strong> um grau mais baixopara outro mais elevado”. (4) À medida que a socieda<strong>de</strong>evolui, a família também evolui e essa evolução é <strong>de</strong>finida,s<strong>em</strong>pre, pelo grau <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> e domínio dohom<strong>em</strong> sobre a natureza. Dessa maneira, para Morganapud Engels (4) , “a família é o produto do sist<strong>em</strong>a social erefletirá o estado <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a”. Passandopelas etapas <strong>de</strong>scritas por Engels sobre a evolução dafamília (consangüínea, punaluana e sindiásmica) chegamosà família monogâmica, baseada no po<strong>de</strong>r do hom<strong>em</strong> sobrea mulher e cuja maior finalida<strong>de</strong> é a procriação dosfilhos, cuja paternida<strong>de</strong> seja indiscutível. Na <strong>de</strong>scrição<strong>de</strong> Morgan (4) , enten<strong>de</strong>-se como família consangüínea aquela<strong>em</strong> que os grupos conjugais classificam-se por gerações.O vínculo <strong>de</strong> irmão e irmã pressupõe a relaçãocarnal mútua. Na família punaluana, os irmãos são excluídosdas relações carnais mútuas. É característico omatrimônio por grupos e a <strong>de</strong>scendência só po<strong>de</strong> serestabelecida pelo lado materno, reconhecendo-se apenasa linhag<strong>em</strong> materna. Na família sindiásmica, o hom<strong>em</strong>vive com uma mulher, mas a poligamia e a infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>ocasional continuam a ser um direito dos homens.O vínculo conjugal dissolve-se com facilida<strong>de</strong> e os filhoscontinuam a pertencer exclusivamente à mãe. Omatrimônio por grupos (família consangüínea epunaluana) é característico do estado selvag<strong>em</strong>. Já a famíliasindiásmica diz respeito à barbárie, a monogâmica,à civilização. Portanto, “a monogamia nasceu da concentração<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s riquezas nas mesmas mãos – as <strong>de</strong>um hom<strong>em</strong> – e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> transmitir essas riquezas,por herança, aos filhos <strong>de</strong>sse hom<strong>em</strong>, excluídos os filhos<strong>de</strong> qualquer outro”. (4)Durante o que se convencionou <strong>de</strong>nominar comoperíodo da Grécia Clássica (século V a.C.), <strong>de</strong>stacaramseduas cida<strong>de</strong>s-estados que ao alcançar<strong>em</strong> maior extensãoterritorial passaram a ter uma gran<strong>de</strong> importân-REME – Rev. Min. Enf; 9(1):70-76, jan/mar, 2005 71