Ocorrência <strong>de</strong> Úlcera <strong>de</strong>...Po<strong>de</strong> ser <strong>em</strong>pregado <strong>em</strong> feridas com exsudação abundante,infectadas ou não, sanguinolentas e cavitárias (7) , et<strong>em</strong> como principais proprieda<strong>de</strong>s a indução <strong>de</strong>h<strong>em</strong>ostasia, <strong>de</strong>sbridamento autolítico, alta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>absorção e manutenção <strong>de</strong> meio úmido no leito da ferida(7,10) . Suas principais indicações neste caso foram o<strong>de</strong>sbridamento autolítico e a absorção <strong>de</strong> exsudação local,já que se relata sua utilização com sucesso <strong>em</strong> feridascom 80% a 100% <strong>de</strong> sua área com tecido necrótico (8,9) .Utilizou-se alginato <strong>de</strong> cálcio “<strong>em</strong> fita” para facilitar suaaplicação <strong>em</strong> áreas cavitárias.Após dois dias <strong>de</strong> tratamento foi observada diminuiçãodo quadro exsudativo; no entanto, não houve reduçãosignificativa das áreas necróticas, optando-se pormudança <strong>de</strong> conduta terapêutica. Instituiu-se então aplicação<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> papaína a 10% no leito da ferida,com permanência <strong>de</strong> 5 minutos, seguida <strong>de</strong> retirada comSF a 0,9% aquecido (com t<strong>em</strong>peratura aproximada <strong>de</strong>36ºC) e <strong>em</strong> jato, introdução <strong>de</strong> alginato <strong>de</strong> cálcio sob asáreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolamento e AGE nas margens.A papaína promove <strong>de</strong>sbridamento químico, provocandoproteólise, t<strong>em</strong> ação bacteriostática, bactericidae antiinflamatória, além disso, favorece o alinhamento<strong>de</strong> fibras <strong>de</strong> colágeno, o que resulta <strong>em</strong> crescimentotecidual uniforme, aumenta força tênsil da cicatriz, reduza formação <strong>de</strong> quelói<strong>de</strong>s e acelera o processo <strong>de</strong>cicatrização. (7,10,11)Com a permanência <strong>de</strong> importantes áreas necróticasna lesão e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> r<strong>em</strong>oção <strong>de</strong>sse tecido, o usoda papaína nesse período teve como principal objetivopromover limpeza enzimática, a fim <strong>de</strong> evitar-se o<strong>de</strong>sbridamento mecânico. Não há estudos específicosacerca do uso da papaína <strong>em</strong> neonatos; entretanto, suautilização no tratamento <strong>de</strong> lesões por queimaduras <strong>em</strong>crianças resultou <strong>em</strong> diminuição <strong>de</strong> tecido necrótico eprevenção <strong>de</strong> infecção local, além <strong>de</strong> favorecer o crescimentodo tecido <strong>de</strong> granulação (12) . Em adultos, são <strong>de</strong>scritosbons resultados utilizando-se papaína <strong>em</strong> feridascom necrose e infectadas (11) , feridas vasculogênicas e<strong>de</strong>iscências cirúrgicas (13) e feridas cutâneas <strong>em</strong> portadores<strong>de</strong> diabetes (14) . Nos estudos citados, os curativos foramtrocados entre uma e três vezes ao dia, mantendosea papaína no leito das lesões; entretanto, <strong>em</strong> funçãoda ausência <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> sua utilização <strong>em</strong> RN, a papaínafoi aplicada no leito da ferida, por curto período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po(5 minutos), com observação a fim <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar possíveispontos <strong>de</strong> sangramento.Em 11 dias <strong>de</strong> tratamento com papaína a 10%, associadaa AGE e alginato <strong>de</strong> cálcio, houve melhora gradativada lesão: verificou-se redução significativa <strong>de</strong> tecidonecrótico, aumento <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> granulação e contraçãodas margens (Foto 2). A partir <strong>de</strong>ssa data, foi observadosangramento <strong>em</strong> pequenos pontos do leito da ferida durantea aplicação da papaína a 10%. Predominava sobrea lesão a área <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> granulação, optando-se, então,por reduzir a concentração da papaína para 1% eavaliar sua utilização <strong>em</strong> relação a novos sangramentoslocais. Na presença <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> granulação, a concentraçãoda papaína não <strong>de</strong>ve exce<strong>de</strong>r 2% pela possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> sangramento local.Associado à papaína a 1 % manteve-se SF a 0,9%,alginato <strong>de</strong> cálcio e AGE, utilizando-se cobertura secundária(compressa extra-absorvente e fita hipoalergênica),por períodos <strong>de</strong> 24 horas. No 19º dia <strong>de</strong> tratamento,diminuiu-se a concentração da papaína para 0,5%, <strong>de</strong>vidoa discreto sangramento no leito da lesão, que se apresentavarecoberto por tecido <strong>de</strong> granulação; mantendoseas d<strong>em</strong>ais condutas. Com 21 dias <strong>de</strong> tratamento nainstituição foi suspenso o uso da papaína, <strong>em</strong> função daausência <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong>svitalizado e predominância <strong>de</strong> tecido<strong>de</strong> granulação <strong>em</strong> toda a ferida, e mantido o uso <strong>de</strong>SF 0,9%, alginato <strong>de</strong> cálcio e AGE.No 24º dia <strong>de</strong> tratamento observou-se nivelamento<strong>de</strong> pele, porém com pequeno <strong>de</strong>scolamento da marg<strong>em</strong>inferior, sendo o alginato <strong>de</strong> cálcio aplicado apenas nesselocal. As d<strong>em</strong>ais porções da lesão foram recobertascom AGE, mantendo-se o mesmo tipo <strong>de</strong> cobertura secundária.No 32º dia <strong>de</strong> tratamento, iniciou-se o uso <strong>de</strong> coberturanão a<strong>de</strong>rente <strong>de</strong>vido a trauma local resultante dar<strong>em</strong>oção da compressa extra-absorvente (Foto 3). Amelhora progressiva da cicatrização e a ausência <strong>de</strong> áreas<strong>de</strong> <strong>de</strong>scolamento permitiram a suspensão do uso <strong>de</strong>alginato <strong>de</strong> cálcio no 38º dia <strong>de</strong> tratamento e a suspensãoda cobertura não a<strong>de</strong>rente com 42 dias. Manteve-seo uso <strong>de</strong> SF 0,9%, AGE e cobertura com compressa extra-absorventee fita hipoalergênica.No 46º dia <strong>de</strong> tratamento foi observada cicatrizaçãototal e suspensa a realização do curativo. O t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>tratamento <strong>de</strong> feridas po<strong>de</strong> ser influenciado por variáveiscomo t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> doença, ida<strong>de</strong>, sexo, estadonutricional, baixa resistência, controle metabólico, localizaçãoe estágio da lesão e complicações crônicas vigentes(8,9,14) , e não <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado, portanto, comoprincipal indicativo <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> do tratamento.Após <strong>de</strong>z meses do término do tratamento, observa-secicatriz <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> estética e ausência <strong>de</strong>quelói<strong>de</strong> (Foto 4).A antibioticoterapia <strong>em</strong>pregada durante a internaçãona instituição incluiu, inicialmente, cefotaxima evancomicina por 14 dias, seguida <strong>de</strong> cefepime (durante10 dias) e vancomicina, por 30 dias e justifica-se peloquadro clínico do neonato. Feridas são consi<strong>de</strong>radascomo portas <strong>de</strong> entrada para microorganismos (9) e, <strong>em</strong>boranão tenham sido colhidas culturas da lesão, aantibioticoterapia sistêmica é recomendada como tratamento<strong>de</strong> escolha para feridas infectadas (15) . Possivelmente,além da boa evolução clínica, o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> antibióticosauxiliou na satisfatória evolução da lesão.A analgesia foi provida através da infusão contínua<strong>de</strong> citrato <strong>de</strong> fentanila, durante os primeiros 21 dias <strong>de</strong>internação do RN; sua suspensão ocorreuconcomitant<strong>em</strong>ente à suspensão da papaína. Sabe-se que,ao nascimento, neonatos apresentam el<strong>em</strong>entosneuroanatômicos e neuroendócrinos necessários à percepçãoe à transmissão do estímulo doloroso (16) e queinternações <strong>em</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Terapia Intensiva Neonatalocasionam diversas situações geradoras <strong>de</strong> dor. Procedimentoscirúrgicos, b<strong>em</strong> como os danos teciduais resultantese a realização <strong>de</strong> curativos são situações86 REME – Rev. Min. Enf; 9(1):84-88, jan/mar, 2005
sabidamente dolorosas. Dor forte e queimação forte foramreferidas por 52% dos adultos durante a realização<strong>de</strong> curativos utilizando-se papaína (11) . A analgesia a<strong>de</strong>quadaobjetiva não apenas prover conforto, mas tambémprevenir a ocorrência dos efeitos <strong>de</strong>letérios resultantesda dor <strong>em</strong> neonatos, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> alterações metabólicas,aumento da suscetibilida<strong>de</strong> a infecções, aumentoda sensibilida<strong>de</strong> local e alterações no comportamentofuturo da criança.Foi provido aporte calórico através <strong>de</strong> nutriçãoparenteral, mantendo-se o RN <strong>em</strong> jejum por 11 dias,quando então foi associada nutrição enteral (leite maternoou fórmula). O neonato passou a receber nutriçãoenteral plena no 21º dia <strong>de</strong> tratamento. A nutrição ehidratação têm relevância no tratamento <strong>de</strong> lesões, umavez que a cicatrização po<strong>de</strong> ser influenciada por algunsnutrientes, <strong>de</strong>stacando-se carboidratos, proteínas, gordura,vitaminas (A, B12, C, E) e minerais, <strong>em</strong> especialcobre, ferro e zinco. (15)LIMITAÇÕES DO ESTUDOPo<strong>de</strong>-se apontar como limitação do estudo a forma<strong>de</strong> registro <strong>de</strong> acompanhamento da lesão, na Sist<strong>em</strong>atizaçãoda Assistência <strong>de</strong> Enfermag<strong>em</strong> (SAE), que não seapresentava com uniformida<strong>de</strong> entre as diversas anotaçõesdos profissionais envolvidos, como também o fato<strong>de</strong> que n<strong>em</strong> todas as informações necessárias à avaliaçãoconstavam dos impressos analisados <strong>em</strong> prontuário. Nãoforam realizadas medidas <strong>de</strong> diâmetro, profundida<strong>de</strong> daferida, assim como não foram feitos os registros fotográficos<strong>em</strong> intervalos regulares, o que favoreceria melhoranálise evolutiva.Consi<strong>de</strong>ra-se também como limitação a ausência d<strong>em</strong>ensuração <strong>de</strong> escores <strong>de</strong> dor durante a realização doscurativos, pois o estudo foi conduzido antes da implantaçãoda dor como 5º sinal vital na instituição. A dor<strong>de</strong>ve ser avaliada, principalmente, durante procedimentosdolorosos. Há escalas específicas para neonatos, e anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> validação <strong>em</strong> nosso meio faz com queseja necessária sua aplicação.Alguns estudos <strong>de</strong>screv<strong>em</strong> a importância da prevenção<strong>de</strong> lesões <strong>de</strong> pele <strong>em</strong> RN e do tratamento <strong>de</strong> traumasresultantes <strong>de</strong> extravazamento <strong>de</strong> soluções, uso <strong>de</strong>soluções tópicas, r<strong>em</strong>oção <strong>de</strong> a<strong>de</strong>sivos e necrose porhipoperfusão, fricção e pressão (17,18,19) . Contudo, a escassez<strong>de</strong> publicações, nacionais e internacionais, acerca douso <strong>de</strong> alginato <strong>de</strong> cálcio e papaína especificamente <strong>em</strong>neonatos, dificultou, <strong>de</strong> certa forma, o <strong>em</strong>basamento científicodo tratamento. Assim sendo, as condutas <strong>de</strong>scritaspautaram-se na avaliação criteriosa e diária da lesãoe no conhecimento acerca dos produtos e <strong>de</strong> suaindicação.IMPLICAÇÕES PARA A ASSISTÊNCIA DEENFERMAGEMO avanço tecnológico observado na área neonatalnas últimas duas décadas t<strong>em</strong> permitido a realização <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s intervenções cirúrgicas e proporcionado o aumentoda sobrevida <strong>de</strong> RN grav<strong>em</strong>ente enfermos. Aocorrência <strong>de</strong> lesões <strong>de</strong> pele e feridas tornou-se, conseqüent<strong>em</strong>ente,freqüente <strong>em</strong> neonatos e este fato requerdo enfermeiro conhecimento suficiente para a indicaçãodo tratamento da ferida b<strong>em</strong> como para seu acompanhamento.Acompanhar a evolução da lesão <strong>de</strong>ve fazer parte daprática clínica da equipe <strong>de</strong> enfermag<strong>em</strong>, por meio doregistro <strong>de</strong> medidas diárias da ferida, relatos acerca <strong>de</strong>características locais (<strong>em</strong> especial aspecto das margens,presença <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> granulação, necrose e secreção),registros fotográficos <strong>em</strong> intervalos programados. Trata-se<strong>de</strong> medida importante para avaliar a evolução dalesão e direcionar as condutas a ser<strong>em</strong> tomadas.CONSIDERAÇÕES FINAISOs AGE promoveram hidratação e auxiliaram no processo<strong>de</strong> granulação local, o alginato <strong>de</strong> cálcio mostrouseefetivo na redução da exsudação e no <strong>de</strong>sbridamentoautolítico, e a papaína atuou a<strong>de</strong>quadamente como<strong>de</strong>sbridante químico, quando aplicada <strong>em</strong> concentraçãoelevada, e facilitou o processo cicatricial e <strong>de</strong> granulaçãotecidual <strong>em</strong> concentrações diminutas.O tratamento da ferida operatória favoreceu a totalcicatrização da lesão e resultou <strong>em</strong> bom aspecto estéticoe ausência <strong>de</strong> quelói<strong>de</strong>. Para esse caso, a terapêuticainstituída foi efetiva e livre <strong>de</strong> efeitos adversos. Alémdisso, evitou-se a intervenção cirúrgica para<strong>de</strong>sbridamento.Os resultados satisfatórios permit<strong>em</strong> incentivar a utilizaçãoda papaína e do alginato <strong>de</strong> cálcio nessa faixa etária,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as características da lesão sejam compatíveiscom a indicação do produto e que avaliação da lesãoseja contínua.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Manning SM, Jennings R, Madsen JR. Pathophysiology, prevention,and potential treatment of neural tube <strong>de</strong>fects. Ment Ret Dev Disab2000; 6:6-14.2. Farmer DL, von Koch CS, Peacock WJ, Danielpour M, Gupta N, LeeH, Harrison MR. In utero repair of myelomeningocele: experimentalpathophysiology, initial clinical experience, and outcomes. Archives ofsurgery 2003; 138(8): 872-78.3. Kaplan LC. Defeitos do tubo neural. In: Cloherty JP, Stark AR. Manual<strong>de</strong> neonatologia. 4a ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Medsi; 2000. p.563-72.4. Milhoart TH Miller JI. 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