João Cointha, um heterodoxo na França Antárticabém Jean <strong>de</strong> Léry, acaba por fugir para São Vicente. Aceito pelos portugueses,viaja pelo Brasil, convivendo com personagens relevantes da Colônia. QuandoMem <strong>de</strong> Sá resolveu expulsar os franceses da baía da Guanabara, contou com oseu auxílio para a tomada do Forte Coligny.A <strong>de</strong>turpação histórica a respeito da sua pretensa morte no Brasil teve origemapós os dois primeiros relatos biográficos do “Apóstolo do Brasil”, pois aprimeira biografia <strong>de</strong> Anchieta, escrita por Quirício Caxa, em 1598, não se referea João Cointha nem ao “Herege da Guanabara”. E a seguinte, escrita porPero Rodrigues, <strong>de</strong> 1605-1609, fala <strong>de</strong> Cointha, mas <strong>de</strong>sconhece o “Heregeda Guanabara”, que aparece pela primeira vez associado a Cointha na obra <strong>de</strong>Sebastião Beretário, publicado em Colônia em 1617 e, <strong>de</strong>pois, na <strong>de</strong> Simão <strong>de</strong>Vasconcelos, Vida do Venerável Pe. José <strong>de</strong> Anchieta, publicada em 1672. Portanto,essa lenda nasceu na biografia européia <strong>de</strong> Anchieta escrita por Beretário, sendotal versão inicialmente utilizada por Frei Vicente do Salvador no seu livroHistória do Brasil, 17 terminado em 1627, mas só editado no século XIX. Assim,essa versão transforma Cointha e o “Herege da Guanabara” em uma só pessoa,adquirindo foros <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, após a publicação do livro <strong>de</strong> Vasconcelos.Ora, esse imbróglio tem-se prolongado injustamente, chegando até anossa época, quando já se sabe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX, com os estudos <strong>de</strong>Cândido Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida, 18 Ramiz Galvão, 19 Capistrano <strong>de</strong> Abreu, 2017 CAXA, Quirício. Breve Relação da Vida e Morte do Padre José <strong>de</strong> Anchieta; RODRIGUES, Pero. Vida doPadre José <strong>de</strong> Anchieta da Companhia <strong>de</strong> Jesus. In: Primeiras biografias <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Anchieta. São Paulo: Loyola,1980, p. 68; BERETTARI, S.J. Sebastianus. Josephi Anchietae Societatis Jesu sacerdotis in Brasilia <strong>de</strong>functi vita.Colônia: 1617; VASCONCELLOS, Simão <strong>de</strong>. Vida do Venerável Padre José <strong>de</strong> Anchieta. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Imprensa Nacional, 1943, 2 vols.; vol. I, pp. 132-135; SALVADOR, Vicente do. História do Brasil(1500-1627). 5. a ed., São Paulo: Melhoramentos, 1965, pp. 190-191.18 ALMEIDA, Cândido Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong>. Notas para a Historia Patria (quarto artigo). A catastrophe <strong>de</strong>João <strong>de</strong> Bolés foi uma realida<strong>de</strong>? In: Revista trimensal do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil.Tomo XLII, parte I, Rio <strong>de</strong> Janeiro: 1879, pp. 141-205.19 GALVÃO, Dr. B.F. <strong>de</strong> Ramiz (Barão). João Cointha, Senhor <strong>de</strong> Bolés. In: Revista do InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XLVII, parte II, 1884, pp. 39-45.20 ABREU, Capistrano <strong>de</strong>. João Cointa, Senhor <strong>de</strong> Bolés. In: Ensaios e Estudos: crítica e história, 3. a série.2. a ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização <strong>Brasileira</strong>: 1976, pp. 3-16.25
Paulo Roberto Pereiraque alguns biógrafos <strong>de</strong> Anchieta se enganaram a respeito dos fatos que o“Taumaturgo do Brasil” relata em sua correspondência, envolvendo oscompatriotas <strong>de</strong> João Cointha que tentavam estabelecer na Guanabara autópica França Antártica.O <strong>de</strong>sconhecimento do verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Cointha prejudicou sensivelmenteo seu resgate biográfico, pois permitiu que se criasse uma história paralela,associando o seu nome ao <strong>de</strong> um tal Jacques ou Tiago Leballeur, “Herege da Guanabara”,mandado enforcar por Mem <strong>de</strong> Sá com a assistência espiritual <strong>de</strong> José <strong>de</strong>Anchieta, conforme já <strong>de</strong>monstraram Celso Vieira e Hélio Abranches Viotti. 21Com a confusão criada, Cointha e Bolés <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser a mesma pessoa,além <strong>de</strong> se tornar uma terceira ao ser associado ao “Herege da Guanabara”.Com isso, sua verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e os dois livros por ele publicados em Lisboasó voltaram a lhe ser corretamente atribuídos após as revelações <strong>de</strong> RamizGalvão, Cândido Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida, além da <strong>de</strong>scoberta do processo inquisitorialdo famoso aventureiro calvinista, 22 por Souza Viterbo, no ArquivoNacional da Torre do Tombo.Essa lenda tem subsistido a tal ponto que, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se comprovarque Cointha não morreu no Brasil, continuaram surgindo trabalhos com omesmo equívoco histórico. Em São Paulo, por exemplo, foi publicado anonimamente,em 1896, um folheto <strong>de</strong> 32 páginas com o sugestivo título <strong>de</strong> Anchieta,o carrasco <strong>de</strong> Bolés à luz da história pátria. A pretensa “compilação histórica”, atribuídaa Álvaro Emídio Gonçalves dos Reis, aproveitou-se do <strong>de</strong>bate travadonos meios intelectuais brasileiros do século XIX sobre o papel <strong>de</strong> Anchieta namorte do <strong>de</strong>sertor da França Antártica.A frau<strong>de</strong> construída por um equívoco no século XVII chegou ao século XXcom várias publicações como Anchieta e o suplício <strong>de</strong> Balleur, <strong>de</strong> Vicente TemudoLessa, <strong>de</strong> 1934; Anchieta: Santo ou Carrasco?, <strong>de</strong> Aníbal Pereira dos Reis, da déca-21 VIEIRA, Celso. Anchieta. Rio <strong>de</strong> Janeiro: 1930; VIOTTI, S.J. Pe. Hélio Abranches. Anchieta: oApóstolo do Brasil. 2. a ed. São Paulo: Loyola, 1980.22 VITERBO, Sousa. Trabalhos Náuticos dos Portugueses: séculos XVI e XVII. Lisboa: IN-CM, 1988.Edição fac-similar. Cf. pp. 644-655.26
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