Montaigne e os canibais:influência no BrasilAlberto Venancio Filho“O bom selvagem teve em Montaigne um advogado.”Afrânio PeixotoOtema dos canibais foi examinado <strong>de</strong> forma sistemática nosEnsaios <strong>de</strong> Montaigne, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então tem sido objeto <strong>de</strong> análises,comentários e reflexões. Mais recentemente uma larga literaturatem surgido sobre a matéria.O mito do bom selvagem se celebra a partir da <strong>de</strong>scoberta da América,mas se articula a uma crença antiga <strong>de</strong>senvolvida pelos poetas e filósofosda Antiguida<strong>de</strong> greco-romana: o mito da ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro, período situadoem tempos recuados, quando teria vivido uma humanida<strong>de</strong> mais feliz emais justa. A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novas terras a partir do século XV vem fornecera visão da realida<strong>de</strong> ao que era um mito dos poetas e dos filósofos.Esse fato se vinculava ao que os romanos costumavam opor à <strong>de</strong>cadênciados costumes das nações civilizadas, as qualida<strong>de</strong>s morais e sociais dospovos “bárbaros”, nos quais reconheciam os atributos da Roma dos temposprimitivos. É o caso <strong>de</strong> Tácito no estudo consagrado à Germânia.Bacharel em CiênciasJurídicas e Sociaispela Faculda<strong>de</strong>Nacional <strong>de</strong> Direitoda entãoUniversida<strong>de</strong> doBrasil (1956).Advogado militanteno Rio <strong>de</strong> Janeiro<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1957. Autor <strong>de</strong>Das Arcadas aoBacharelismo (Cento ecinqüenta anos <strong>de</strong>ensino jurídico noBrasil) e <strong>de</strong> estudossobre ensino jurídico,História, Política eDireito.39
Alberto Venancio FilhoA reflexão <strong>de</strong> Montaigne se <strong>de</strong>senvolve segundo dois eixos que não coinci<strong>de</strong>mnecessariamente. Primeiramente se interroga sobre a oposição entre barbáriee civilização, e em seguida fornece um certo número <strong>de</strong> informações sobrea organização e as crenças dos selvagens.É <strong>de</strong> se assinalar que, enquanto no capítulo “Dos Canibais” Montaigne tratados índios do Brasil, no capítulo “Dos Coches” discute em ótica diferente acolonização espanhola, mas ambos obe<strong>de</strong>cem à mesma problemática.Consi<strong>de</strong>ra-se no ensaio “Dos Canibais” três estágios com a estrutura <strong>de</strong>uma narrativa <strong>de</strong> viagem. O primeiro é uma jornada exterior em busca do estranho;em seguida, a <strong>de</strong>scrição da socieda<strong>de</strong> selvagem, vista por uma testemunha“verda<strong>de</strong>ira”; e o terceiro, a viagem <strong>de</strong> retorno, a volta do viajante narrador,com uma visão apolínea do selvagem (cf. Michel <strong>de</strong> Certeau).Montaigne timbrava em afirmar que suas observações eram diretas, não sódos índios na festa <strong>de</strong> Rouen, mas <strong>de</strong> um serviçal <strong>de</strong> sua residência que teria participadoda expedição <strong>de</strong> Villegaignon, e que ficou em sua casa por mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanos. Teria também entrevistado outros indígenas, daí a originalida<strong>de</strong> que procuravadar à análise. Se, em parte, po<strong>de</strong> ser correta esta afirmação, está provadoque ele se abeberou <strong>de</strong> várias fontes escritas, como os livros <strong>de</strong> André Thevet(1502-1590) e Jean <strong>de</strong> Léry (1534-1611), sobretudo este, a obra <strong>de</strong> Lopes <strong>de</strong>Gomara, o livro <strong>de</strong> Jerônimo Osório sobre Portugal, provavelmente na traduçãofrancesa da História <strong>de</strong> Portugal. De 1580, ano da edição dos dois primeiros livrosdos Ensaios, até 1588, quando saiu a edição com acréscimo do livro terceiro, noqual inseriu o capítulo “Dos Coches”, <strong>de</strong>ve ter travado conhecimento com o livro<strong>de</strong> Las Casas, que inspirou a sua posição contra a escravidão dos índios.Montaigne tem preferência pelo livro <strong>de</strong> Léry, que lhe parece mais fi<strong>de</strong>digno emais exato, ao contrário da posição tradicional favorável a Thevet.É <strong>de</strong> se assinalar que a influência <strong>de</strong> Jean <strong>de</strong> Léry foi gran<strong>de</strong> e está presentenum etnólogo contemporâneo, Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss, no livro Tristes Trópicos. Aobra <strong>de</strong> Léry influenciou os estudos <strong>de</strong> Lévi-Strauss, <strong>de</strong> tal modo que ao chegar àbaía da Guanabara seus pensamentos se voltaram para ele. Atribuiu à obra <strong>de</strong>Léry “a frescura do olhar”, <strong>de</strong>nominando o livro “breviário <strong>de</strong> etnólogo”. É40
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