Montaigne e os canibais: influência no BrasilDepois <strong>de</strong> várias divagações, tratando do tema específico do capítulo, ele<strong>de</strong>clara: “nosso mundo acaba <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir outro não menor, nem menos povoadoe organizado do que o nosso (e quem nos diz que seja o último?). E, noentanto, tão jovem que ignora o abc, que há cinqüenta anos não conhecia nempesos nem medidas, nem a arte <strong>de</strong> vestir, nem o trigo, e a vinha, nu ainda, viviado leite <strong>de</strong> sua ama. Se raciocinarmos certo, e o poeta o fazia igualmente, <strong>de</strong>vemospensar que o novo mundo só começará a iluminar-se quando o nosso penetrarnas trevas. Será uma espécie <strong>de</strong> hemiplegia: um membro paralisado e outrovigoroso e vivo.”Há a assinalar que Montaigne não tinha muito apreço pelos portugueses, masas referências a vilas e espaços do Novo Mundo como Calicut, Cusno e Narsingasindicam que ele conhecia os autores ibéricos, mas também Jerônimo Osóriocujo texto “De rebus emanuelis gentis” constava do livro Histoire <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong>Goulard, <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> Montaigne. Também o livro italiano <strong>de</strong> autor <strong>de</strong>sconhecidoLa Pazzia, publicado em Veneza em 1540 e publicado três vezes em francês,parece ser uma fonte do capítulo “Dos Canibais”. (Cf. Pina Martins)A problemática do bom selvagem tal qual Montaigne expôs não <strong>de</strong>sapareceno século XVII, mas vai sofrer <strong>de</strong>clínio. Basta comparar o esquecimento daobra <strong>de</strong> Montaigne a partir <strong>de</strong> 1690: até 1724 nenhuma vez a obra é reeditada,mas <strong>de</strong> 1724 até 1801 recebe treze reimpressões, voltando assim a <strong>de</strong>spertarinteresse. O espírito <strong>de</strong> tolerância <strong>de</strong> Montaigne e o livre exame se ajustavammal às idéias do reino <strong>de</strong> Luís XIV.Examinemos agora alguns aspectos da influência no Brasil; há a assinalar,numa outra ótica, que no Espírito da Socieda<strong>de</strong> Colonial (1935), Pedro Calmon citaas obras <strong>de</strong> Ernest Seillière Le Péril Mystique dans l’inspiration <strong>de</strong>s démocraties contemporainese Les Origines romanesques <strong>de</strong> la Morale et <strong>de</strong> la Politiques romantiques, e afirma que“os jesuítas ajudaram a criar, com sua <strong>de</strong>fesa apaixonada dos índios, a i<strong>de</strong>alizaçãofilosófica do estado <strong>de</strong> natureza dos tempos idílicos que prece<strong>de</strong>ram às leistirânicas antes do ‘contrato social’ que nos escravizou ...”Yan <strong>de</strong> Almeida Prado, em Primeiros Povoadores do Brasil, do ponto <strong>de</strong> vistahistórico (1935), no capítulo “Os índios vistos por antigos viajantes”, resume47
Alberto Venancio Filho<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> viajantes, especialmente Américo Vespucci em sua carta, paraafinal, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado figuras <strong>de</strong> menor importância, referir-se à “extensa masinteressantíssima <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Montaigne, brilhante coletânea dos conhecimentosda época acerca dos Tupis”. Comenta que Montaigne recolhera <strong>de</strong>um criado que estivera na “rivière Guanabare” informações a respeito, mas ocapítulo, conforme provou Gilbert Chinard, muito se parece com o livro <strong>de</strong>Jean <strong>de</strong> Léry, “adquirindo visos <strong>de</strong> apropriação”, o que aliás era comum entreliteratos na época. Depois <strong>de</strong> longas transcrições, conclui: “da síntese <strong>de</strong> Montaigne,transluz fato tristemente comum no princípio da civilização da América.Não só o branco muitas vezes ultrapassava o selvagem em ferocida<strong>de</strong>,como quase sempre o corrompia.”Do ponto <strong>de</strong> vista literário, a influência das idéias <strong>de</strong> Montaigne no Mo<strong>de</strong>rnismobrasileiro é patente no movimento antropofágico. Raul Bopp, naBibliotequinha Antropofágica, incluiu entre os clássicos da Antropofagia,no livro <strong>de</strong> introdução do pensamento antropofágico, documentação e interpretação<strong>de</strong> alguns autores (Montaigne, Clau<strong>de</strong> d’Abeville, Ivesd’Evreux, Koster, Koch-Grunberg, etc.), e por fim, como enumeração <strong>de</strong>outros ilustres, “o gran<strong>de</strong> Montaigne (Les Essais, “Des Cannibales) e Jean-Jacques Rousseau”.A obra <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> reflete o capítulo. No Manifesto Antropófagose lê: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”E sua visão da vida tem como fonte o ensaio “Des Cannibales”. Eem outro texto diria que nesse ensaio foram <strong>de</strong>terminadas as linhas mestras dahumanida<strong>de</strong> futura.Afrânio Peixoto, na linhagem <strong>de</strong> letrado e erudito, abordou o tema por diversasvezes. A primeira no livro Pepitas, no capítulo “O exotismo literário –Notas <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>ário geral <strong>de</strong> literatura comparada” – publicado inicialmenteem 1932 na Revista <strong>de</strong> Filologia. Afirma que “foi o Romantismo que consagrou oexotismo com a aspiração <strong>de</strong> cosmopolitismo. A sensibilida<strong>de</strong> romântica <strong>de</strong>rramou-seem fraternida<strong>de</strong> humana. O mundo era pouco para eles, opondo-seao clássico se<strong>de</strong>ntário”. Assim, as idéias <strong>de</strong> viagem eram freqüentes: Rabelais,48
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