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Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras

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Alberto Venancio Filhotrigo. As próprias palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, aavareza, a inveja, a calúnia, o perdão, só excepcionalmente se ouvem! Quanto àrepública que imaginavam, me pareceria longe <strong>de</strong> tamanha perfeição.”E continuando a análise, “sua moral resume-se em dois pontos, valentia naguerra e afeição por suas mulheres”. Descreve o modo como fazem a guerra, <strong>de</strong>maneira nobre e cavalheiresca.E, afinal, refere-se à experiência direta em contato com os indígenas brasileirosque foram à Europa na festa <strong>de</strong> Rouen, em 1550, quando ali se encontravao Rei Henrique II. O rei conversou com eles, indagou o que pensavam da cida<strong>de</strong>e eles revelaram três coisas: a primeira, Montaigne diz ter esquecido, masdas duas outras, uma se referia a que tão gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> homens <strong>de</strong> alta estatura,<strong>de</strong> barba na cara, se sujeitassem a obe<strong>de</strong>cer a um rei criança. Em terceirolugar, observavam que tinham visto gente bem alimentada, gozando das comodida<strong>de</strong>sda vida, enquanto a outra meta<strong>de</strong> era <strong>de</strong> homens emagrecidos, esfaimados,miseráveis e achavam extraordinário que essa meta<strong>de</strong> suportasse tantainjustiça, sem se revoltarem e incendiarem a casa dos <strong>de</strong>mais. Prossegue Montaigneque da conversa longa com um dos índios, que era o chefe, indagandopor que tivera essa ascendência, respon<strong>de</strong>u que tinha o privilégio <strong>de</strong> marchar àfrente dos outros quando iam para a guerra. Indagado se conservava algumaautorida<strong>de</strong> em época <strong>de</strong> paz, ele disse: “Quando visito as al<strong>de</strong>ias que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<strong>de</strong> mim, abrem-me caminhos na capoeira para que eu possa passar sem incômodo.”E conclui Montaigne <strong>de</strong> forma pitoresca e enigmática: “Tudo issoé, em verda<strong>de</strong>, interessante, mas, que diabo, essa gente não usa calções.”O comentário que ele faz ao longo do capítulo, sob certos aspectos inusitadono conjunto dos Ensaios, tem levado à conclusão <strong>de</strong> que se trata, afinal, <strong>de</strong>um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> comparação das socieda<strong>de</strong>s e, através <strong>de</strong>sta comparação, chegar àsituação i<strong>de</strong>al, à vida perfeita. “Montaigne busca o homem original, o homemtotal, a fórmula pura na qual ninguém se fixou, que não é alterada pelos preconceitos,pelos costumes, pela lei. Não é por acaso que ele ficou tanto fascinadopelos índios brasileiros que encontrou em Rouen, que não conhecem nemDeus, nem chefe, nem religião, nem costumes, nem moral.”44

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