Paris, berço do Romantismo brasileiro...vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil”, que “cuida ouvir odoce murmúrio da Castália e o trépido sussurro do Lodon e do Ismeno, etoma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre os galhos da laranjeira”. De talmodo era sufocante o padrão tomado <strong>de</strong> empréstimo que “muitas vezes poetasbrasileiros em pastores se metamorfoseiam e vão apascentar seu rebanho nasmargens do Tejo e cantar à sombra das faias”.Se algum crédito se po<strong>de</strong> atribuir a Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães por este rasgo<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, não parece razoável esperar que a sua inteligência, subindo maisalto, <strong>de</strong>scobrisse que o estado <strong>de</strong> coisas no Brasil entre os séculos XVI e XVIIInão <strong>de</strong>rivava apenas da sua condição colonial, mas também <strong>de</strong> que o figurinoque nos chegava <strong>de</strong> Lisboa e Coimbra não se distinguia, no geral, da moda imperantenos <strong>de</strong>mais países europeus. Mesmo porque lhe faltavam os dons críticosque o alertassem para as antíteses <strong>de</strong>correntes do seu estado <strong>de</strong> ânimo inflamado,quem sabe já atraído pelo culto do paradoxo que constituía o núcleodo Romantismo, seja como doutrina, seja nas obras criadas <strong>de</strong> acordo com osseus princípios, e para a simplificação lógica com que se atirava às afirmaçõesgrandiloqüentes. Cabe-lhe, todavia, o mérito <strong>de</strong> ser a primeira voz que se levantoupara pregar o novo credo em circulação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim do século XVIII.O impacto francês sobre a mente <strong>de</strong> Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães ainda se manifestarápor outros aspectos <strong>de</strong>sse ensaio inaugural: Chateaubriand é lembrado,logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Homero, pela figura feminina <strong>de</strong> Martyres, convertida aocristianismo, – o que dispensa comentário como indício <strong>de</strong> sobrevalorizaçãoda literatura coeva que se fazia em terras francesas, – mas é a Revolução Francesaque lhe fornece subsídios <strong>de</strong> monta para configurar a nova situação dacultura brasileira. Nem titubeia em afirmar que “com a expiração do domínioportuguês, <strong>de</strong>senvolveram-se as idéias”, como se afirmasse que estas haviamsido proscritas do cenário brasileiro entre os séculos coloniais. Exagero naturalem quem, conduzido pelo entusiasmo juvenil, se imagina usando <strong>de</strong> uma prerrogativaantes negada, sobretudo na atmosfera cultural que respirava, esquecendo-se<strong>de</strong> que uma coisa era haver o cultivo das idéias, mas segundo o cânonedominante na matriz, outra era pensar livremente.71
Massaud MoisésEis por que, na seqüência do seu pensamento, afirma que “hoje o Brasil é filhoda civilização francesa; e como nação, é filho <strong>de</strong>sta revolução famosa, quebalançou todos os tronos da Europa, e repartiu com os homens da púrpura eos cetros dos reis”. Nem se dava conta, tal era o seu afã <strong>de</strong> registrar, patrioticamente,o novo estado posterior a 1822, <strong>de</strong> que atentava contra a cronologiados fatos admitir que, como num passe <strong>de</strong> mágica, o Brasil se tornara filho dacivilização e da revolução francesa. A não ser que o “hoje” do seu argumento serefira a algo mais do que o tempo transcorrido após o grito do Ipiranga, masneste caso teria <strong>de</strong> reconhecer a contradição do seu patriotismo e, por conseguinte,da idéia <strong>de</strong> que era recente o vínculo com a civilização e a revoluçãofrancesas.Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães não esmorece no seu intuito <strong>de</strong> repisar a importânciaque a Revolução Francesa assumia, com justa razão, aos seus olhos. Se“o Brasil <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser colônia e à categoria <strong>de</strong> reino irmão foi elevado”, <strong>de</strong>ve-sea que, “sem a Revolução Francesa, que tanto esclareceu os povos, estepasso tão cedo se não daria. Com este fato, uma nova or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cousas abriu-separa o Brasil”, pois o Brasil “parece pautar suas ações e seguir as pegadas da naçãofrancesa”. O encômio aos liames progressistas com a França culmina coma assertiva <strong>de</strong> que “é inegável que, com a França, o nosso comércio científico eliterário particularmente tem existido. Originais ou traduzidos <strong>de</strong>ram os autoresfranceses a Portugal no século XVIII as ciências e as letras, e por conseguinteao Brasil”.Embora proce<strong>de</strong>nte, o pensamento do introdutor do nosso Romantismonão escon<strong>de</strong> o quanto havia <strong>de</strong> arroubo emocional na sua análise. O que, <strong>de</strong>resto, não lhe tira pertinência; mais ainda, refletia um estado <strong>de</strong> coisas, umespírito <strong>de</strong> época, em que tal entusiasmo se difundia por outros literatos quebuscavam na literatura francesa o mol<strong>de</strong> para as suas criações segundo os parâmetrosromânticos. Ainda surgem na pena do ensaísta outros nomes franceses,como Buffon, Montesquieu, Lamartine, sempre em <strong>de</strong>corrência dalouvação do comércio intelectual entre o Brasil e a França. A apologia terminacom um certo tom <strong>de</strong> libelo, ao louvar o gênio, segundo a concepção72
- Page 2 and 3:
A França no BrasilPaulo Napoleão
- Page 4 and 5:
A França no BrasilIgualmente, não
- Page 6 and 7:
A França no Brasilmorreria nessas
- Page 8 and 9:
A França no BrasilOutro problema d
- Page 10 and 11:
A França no Brasilmentos, sobretud
- Page 12 and 13:
João Cointha, umheterodoxo na Fran
- Page 14 and 15: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 16 and 17: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 18 and 19: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 20 and 21: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 22 and 23: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 24 and 25: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 26 and 27: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 28 and 29: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 30: João Cointha, um heterodoxo na Fra
- Page 33 and 34: Alberto Venancio FilhoA reflexão d
- Page 35 and 36: Alberto Venancio Filhoseus costumes
- Page 37 and 38: Alberto Venancio Filhotrigo. As pr
- Page 39 and 40: Alberto Venancio Filhocoches”, re
- Page 41 and 42: Alberto Venancio Filhodepoimentos d
- Page 43 and 44: Alberto Venancio FilhoA festa brasi
- Page 45 and 46: Alberto Venancio FilhoMontaigne”.
- Page 47 and 48: Alberto Venancio Filhoque o homem a
- Page 49 and 50: Retrato de Granjean de Montigny, ar
- Page 51 and 52: Alfredo Brittode Ministro da Marinh
- Page 53 and 54: Alfredo BrittoMal as obras se inici
- Page 55 and 56: Alfredo BrittoGrandjean de Montigny
- Page 57 and 58: Alfredo BrittoArnaud Julien Palliè
- Page 60 and 61: Paris, berço doRomantismo brasilei
- Page 62 and 63: Paris, berço do Romantismo brasile
- Page 66 and 67: Paris, berço do Romantismo brasile
- Page 68 and 69: Paris, berço do Romantismo brasile
- Page 70 and 71: Paris, berço do Romantismo brasile
- Page 72 and 73: Paris, berço do Romantismo brasile
- Page 74: Paris, berço do Romantismo brasile