Montaigne e os canibais: influência no BrasilPo<strong>de</strong>-se perceber a influência <strong>de</strong> La Boétie no capítulo “Dos Canibais”. Em1571, logo após o seu retiro da vida pública, Montaigne publicou em dois volumesalgumas obras <strong>de</strong> Etienne <strong>de</strong> La Boétie, traduções <strong>de</strong> Xenofonte e Plutarco,e vinte e oito poemas, dos quais três <strong>de</strong>dicados a Montaigne. O primeiro, também<strong>de</strong>dicado a Jean Belot, é uma lamúria sobre as <strong>de</strong>struições da guerra civil;sentindo-se impotente e inútil, La Boétie só vê uma solução: a emigração: “Pois,para mim, só vejo uma solução: a emigração.” E falando <strong>de</strong>ssa perspectiva: “Des<strong>de</strong>muito tempo os <strong>de</strong>uses irritados advertiram mesmo fugir quando eles mostraram,ao sul, terras <strong>de</strong>sconhecidas e externas e que os marinheiros atravessandovastos oceanos viram lugares vazios e reinos sem habitantes e terras novas e outras,que, diferentes das nossas, resplan<strong>de</strong>ciam em outros céus.”A terra evocada por La Boétie não tem habitantes indígenas. O Novo Mundopara ele só existe em função dos europeus, e parece ser um país <strong>de</strong> sonho colonial.Po<strong>de</strong>-se cogitar que Montaigne encontrou no poema a matéria-primadas metáforas <strong>de</strong> que se serviu.“O capítulo Dos Canibais é um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> uma crítica inteligente. A <strong>de</strong>scoberta<strong>de</strong>sse Novo Mundo interessa. O capítulo é cheio <strong>de</strong> coisas. Ele já contémtodo Di<strong>de</strong>rot e Rousseau, com mais tato, medida. O capítulo é o programa <strong>de</strong>toda uma literatura que florescerá no século XVIII.” (Cf. Thibau<strong>de</strong>t)Os Ensaios traduzem o fim do mundo indígena. Basta comparar as páginas<strong>de</strong> “Dos Canibais” com as páginas <strong>de</strong> “Dos Coches”. No primeiro o mundoindígena ainda vive; no segundo ele não existe mais. Entre os dois Montaigneleu os protestantes franceses e Las Casas e tomou conhecimento dos métodose a extensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> um continente. Nos dois ensaios se confun<strong>de</strong>mconstantemente o plano real e plano simbólico e unem-se a sátira e o sonho.Montaigne multiplica a correspondência entre os dois ensaios e atrai o leitorpara sua complementarida<strong>de</strong>.“Dos Canibais” se <strong>de</strong>senvolve a partir da palavra “bárbaro”, mas Montaignefaz a volta do conceito, e ao final <strong>de</strong> algumas páginas <strong>de</strong>monstra que os “selvagens”não têm nada <strong>de</strong> “bárbaro”. “Dos Coches” tem como palavra-chave“queda”, que aparece no preâmbulo e termina o ensaio: “Voltemos a nossos45
Alberto Venancio Filhocoches”, relembrando o título <strong>de</strong> ensaio. O tema da queda, subentendido emtodo o texto, reaparece nos próprios nomes. (Cf. Géral<strong>de</strong> Nakam)“Há, entretanto, no capítulo algo mais do que uma conversa mobilizadora.Po<strong>de</strong>-se retirar uma idéia das mais importantes, que faz <strong>de</strong> Montaigne um precursordo século XVIII e do classicismo, mais que do século XVIII.” (Cf.Chinard)O capítulo “Dos Coches”, publicado na terceira edição, <strong>de</strong> 1588, portantooito ano <strong>de</strong>pois, é um contraponto ao capítulo “Dos Canibais”. De um lado,revela, ao contrário do otimismo que permeava esse capítulo, uma página <strong>de</strong>pessimismo sobre a <strong>de</strong>struição das civilizações indígenas no México e no Peru.De outro lado, diferentemente do que elaborara em “Dos Canibais”, quandoteve uma observação direta da vida <strong>de</strong>sses habitantes através dos testemunhosrecolhidos dos indígenas que visitaram a França, não teve essas informaçõesquando escreveu “Dos Coches”.As fontes do capítulo teriam sido Uma História das Índias, <strong>de</strong> López <strong>de</strong> Gamarra,traduzida para o francês em 1569, as observações <strong>de</strong> Las Casas e, sobretudo,o livro <strong>de</strong> La Costa, publicado em 1588, que revela o novo confronto <strong>de</strong>civilizações, nos quais o civilizador europeu <strong>de</strong>strói civilizações que não estavammais no estado <strong>de</strong> beatitu<strong>de</strong> idílica dos índios brasileiros. O capítulo édiscursivo, caracterizando, na precisa expressão <strong>de</strong> Afonso Arinos, “uma preguiçosaassociação <strong>de</strong> idéias”, começando sobre impressões pessoais, referênciasà Antiguida<strong>de</strong> greco-romana e à situação dos imperadores, para afinal se<strong>de</strong>ter no exame das civilizações indígenas do Peru e do México. O título, aparentementesem sentido, tem a sua explicação no trecho em que <strong>de</strong>clara, emborasem muita pertinência: “Não suporto muito os coches, as liteiras e os barcos,e na juventu<strong>de</strong> os suportava ainda menos. Detesto qualquer outro meio <strong>de</strong>locomoção que não o cavalo, na cida<strong>de</strong> como no campo. A liteira incomodameainda mais do que o coche e pelo mesmo motivo prefiro os movimentos <strong>de</strong>um mar agitado, embora perigoso, ao das águas calmas.” E prosseguindo nessasconsi<strong>de</strong>rações fornece um quadro da sociologia dos transportes e dos váriosmeios que se po<strong>de</strong>m obter para alcançar um <strong>de</strong>terminado fim.46
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