Montaigne e os canibais: influência no Brasilpois é sabido que na festa <strong>de</strong> Rouen também participaram numerosos marinheiros,que certamente estiveram no Brasil e que absorveram alguns dos hábitosdos habitantes <strong>de</strong>ssas terras longínquas.Tratando da influência inglesa no Brasil, Gilberto Freyre, a propósito do livro<strong>de</strong> Afonso Arinos, sugere que o índio americano, e por inclusão o brasileiro,estaria associado ao movimento do i<strong>de</strong>alismo inglês, com o nome <strong>de</strong> “Pantisocracia”que teve como fundadores dois gran<strong>de</strong> poetas Coleridge e Southey.Este começou a escrever poemas sobre motivos indígenas, “Songs of the AmericanIndians”. Entretanto, sendo um erudito, não se <strong>de</strong>sviou do elogio excessivoao índio e à bonda<strong>de</strong> natural, e procurou documentos, relações <strong>de</strong> viagens,<strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> naturalistas, <strong>de</strong> modo que o poeta se tornou historiador.Em 1940, nos Ca<strong>de</strong>rnos da Hora Presente, Luís da Câmara Cascudo publicouuma tradução do capítulo “Dos Canibais”, precedida <strong>de</strong> prefácio e notas esclarecedoras,dizendo que em 1933, no quarto centenário do nascimento <strong>de</strong>Montaigne, Ronald <strong>de</strong> Carvalho quis comemorar a data com uma série <strong>de</strong> estudosbrasileiros, trabalhos sobre certos aspectos da cultura que seriam examinadoscom in<strong>de</strong>pendência. Era a atualização <strong>de</strong> Montaigne, trazendo para oBrasil a sua influência no universalismo <strong>de</strong>mocrático da época. Câmara Cascudoficou com a incumbência <strong>de</strong> traduzir “Dos Canibais”, ainda inexistente emportuguês. A iniciativa não prosperou, e Ronald, que <strong>de</strong>veria escrever sobre“Montaigne e a Revolução Francesa”, abandonou a idéia. Falecendo ele em1935, a iniciativa não teve andamento.Em 1937 Câmara Cascudo encontrou um trecho da tradução e resolveucompletá-la, em homenagem ao amigo, afirmando que a tradução é fiel ao espírito<strong>de</strong> Montaigne, tal como ele pensava, estilo hesitante, vacilante, mas claro,simples e corrente. Quem a cotejasse com a versão original certamente verificariaa inteira fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e a nenhuma autonomia do tradutor. “An<strong>de</strong>i acompanhandoMontaigne quanto era possível. Traduzir literal e formalmente seriatransformá-lo <strong>de</strong> maneira radical.”Diz Câmara Cascudo: “Montaigne é avô <strong>de</strong> Rousseau. O Contrato Social, cento eoitenta e dois anos <strong>de</strong>pois, não teve melhor nem mais sonoro arauto. Muito se diz53
Alberto Venancio Filhoque o homem americano nu, instintivo, <strong>de</strong>u aos filósofos do século XVIII a noçãodo paraíso terrestre. Em todos os escritores não há melhor entusiasmo do que emMontaigne, para ele a vida do indígena brasileiro é superior à república <strong>de</strong> Platão.”Diz em seguida: “O estudo <strong>de</strong> Montaigne sobre os canibais merece divulgação.É uma reunião <strong>de</strong> dados etnográficos curiosos, muitos não são encontradosnoutras fontes. Elogia tudo, canções, armas, vida, costumes extintos. Justificaaté a antropofagia e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o índio <strong>de</strong> todas as acusações.“Dos Canibais” é ponto <strong>de</strong> partida para muitos comentários. “Aí o homemda natureza aparece puro, espontâneo, maravilhoso, anterior a qualquer pecadosocial. O homem é bom e a socieda<strong>de</strong> o faz mau. Montaigne é o avô <strong>de</strong> Rousseau.”E acrescenta: “O índio americano, comunista, improprietário, ainda quenteda mãe natureza, surgiria mais tar<strong>de</strong> no i<strong>de</strong>alismo igualitário <strong>de</strong> Rousseau, escreveuJoão Ribeiro. Montaigne acordara em plena madrugada, anunciando odia longínquo.”Dois estudiosos brasileiros se <strong>de</strong>bruçaram recentemente sobre o tema: JoséAlexandrino <strong>de</strong> Souza Filho, no Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Textos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral daParaíba, em síntese com o título “Montaigne – Le Cannibales”, e Celso MartinsAzarias Filho, em artigo publicado no Boletim da Société <strong>de</strong>s Amis <strong>de</strong>Montaigne, estudando “Le Mo<strong>de</strong>rnisme brésilien et Montaigne, Antropofagia<strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>”.Na sessão <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1933, o acadêmico Afonso Celso registrou queocorriam no ano três gran<strong>de</strong>s efeméri<strong>de</strong>s, o nascimento <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Montaigne,a morte <strong>de</strong> Ariosto e o aparecimento do livro Gargantua <strong>de</strong> Rabelais. Refere-se,especialmente a Montaigne, “que na sua obra tratou <strong>de</strong> modo muito lisonjeiroda América e dos americanos, referindo-se mais <strong>de</strong> uma vez ao Brasil,havendo convivido em Villegaignon, cujo nome se uniu ao da baía do Rio <strong>de</strong>Janeiro”.Por ocasião do quarto centenário do nascimento da morte <strong>de</strong> Montaigne,em 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1992, o acadêmico João <strong>de</strong> Scantimburgo se referiu noplenário da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> às raízes portuguesas do autor dos Ensaios, à sua formaçãocatólica e seu ceticismo.54
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