A França no BrasilOutro problema <strong>de</strong> cunho religioso foi a antropofagia: os indígenas <strong>de</strong>voravamos inimigos mortos ou aprisionados. Embora Villegaignon e Cunhambebetivessem excelentes relações, houve entre os dois acaloradas altercações arespeito, o que afastou pon<strong>de</strong>rável número dos nativos que davam apoio àFrança Antártica.De qualquer modo, as queixas <strong>de</strong> Jean <strong>de</strong> Léry a Villegaignon são muitas, acomeçar pela <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seu primeiro dia na “França Antártica”: jantar consistenteem farinha <strong>de</strong> raízes, e peixe moqueado “à moda dos selvagens”, água<strong>de</strong> uma calha que recolhia a chuva, tão esver<strong>de</strong>ada e suja como a <strong>de</strong> um charco<strong>de</strong> rãs. E como sobremesa, a or<strong>de</strong>m para carregarem pedras e terra, <strong>de</strong>stinadas àconstrução do Forte <strong>de</strong> Coligny.Com bastante certeza, tais queixas procediam, embora assistisse plena justificativaàs <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> Villegaignon diante da realida<strong>de</strong> em que viviamtodos, mas o fanatismo religioso <strong>de</strong> Léry sobrepunha-se às justificativas: estejamais perdoou ter ouvido aquele dizer a um dos seus auxiliares: “<strong>de</strong>ixa divagaressa gente <strong>de</strong> Genebra!”. E mais, Léry acusou a “teologia <strong>de</strong> Villegaignon” emrelação às imagens sacras, que tinha por base o “Deus criou o homem à suaimagem, convém ter imagens”. Ao final <strong>de</strong>sse diálogo <strong>de</strong> surdos, Villegaignon<strong>de</strong>terminou que Léry e os seus saíssem da ilha e fossem para o continente, <strong>de</strong>on<strong>de</strong> retornaram à França.Como muito bem observado por Vasco Mariz e Lucien Provençal, em OsFranceses no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o vice-rei não teve flexibilida<strong>de</strong> ou visão política e estratégicapara aquilatar que sua empreitada era muito superior às questões <strong>de</strong>sexo e <strong>de</strong> antropofagia, até porque, neste último caso, os franceses e os índiosnão eram inimigos.É possível concluir que a principal causa <strong>de</strong> insucesso da “França Antártica”tenha sido resultado das barreiras e da intolerância religiosa que então imperavam,embora <strong>de</strong> modo geral os portugueses sempre houvessem guardadomelhores meios militares para manter a possessão. Apesar <strong>de</strong> tudo, os francesesrealizaram diversos feitos <strong>de</strong> colonização, inclusive a construção <strong>de</strong> Henriville– embrião <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> atualmente se situa a praia do Flamengo, entre15
Paulo Napoleão Nogueira da Silvao morro da Glória e o rio Carioca – além <strong>de</strong> diversos cultivos <strong>de</strong> hortaliças, cereais,frutas, e outros. O Forte <strong>de</strong> Coligny foi finalmente abandonado, à época,na ilha <strong>de</strong> Seregipe, distante menos um quilômetro do continente – hoje, nãosão mais do que 50 metros, graças aos aterros, on<strong>de</strong> se situa a Escola Naval – etambém entrou <strong>de</strong>finitivamente na memória histórica do Brasil.Com certeza, tal como no Maranhão e no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, a FrançaAntártica <strong>de</strong>ixou seus rastros históricos e culturais, que se prolongaramaté o fim do Império, e não só pela influência cultural francesa em todo omundo – França como centro irradiador <strong>de</strong> cultura – mas por um patrimônioatávico vindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da formação brasileira. Desnecessárioseria lembrar, aliás: em que pese a massificadora atuação midiática dacultura norte-americana, boa parte da cultura brasileira continua associadaà francesa.De notar, os vínculos do Brasil com a França sempre foram tão estreitosquanto possível, nos primórdios, ao ponto <strong>de</strong> índios brasileiros serem apresentadosa mais <strong>de</strong> um rei francês. E não se <strong>de</strong>ve esquecer o primeiro casal católicobrasileiro, homenageado por Dom Pedro I quando <strong>de</strong> sua coroação, outorgandoao seu <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> então o título <strong>de</strong> Barão da Torre <strong>de</strong> Garcia d’Ávila. Oportuguês Garcia d’Ávila naufragara na costa da Bahia, e fora acolhido pelo caciquelocal, que lhe <strong>de</strong>u em casamento sua filha Paraguaçu; mais tar<strong>de</strong>, ambos foramà França, e Paraguaçu foi batizada em Saint-Malo com o nome <strong>de</strong> Catherinedu Brésil. Depois, retornaram à Bahia, e <strong>de</strong> sua união nasceram a Casa da Torre eo castelo da Torre <strong>de</strong> Garcia d’Ávila, cujas terras chegaram a incluir 800.000km 2 , englobando a maior parte do Nor<strong>de</strong>ste e chegando até ao Piauí.Assim, tais vínculos sempre foram bastante sólidos, e <strong>de</strong>sse modo continuaramaté hoje: no século XX, filósofos como Lévi-Strauss e Derrida, <strong>de</strong>ntreoutros, encontraram asilo no Brasil, e foram admitidos a lecionar na Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> São Paulo; os gran<strong>de</strong>s estilistas franceses mantêm estabeleci-16
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