18As violações aos <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> ocorrem em bloco e estão associadas umas às outras. Porisso, é mais a<strong>de</strong>quado falar em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> em lugar <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong> vulneráveis:“Uma pessoa vulnerável é um pobre coitado, uma vítima, alguém que precisa <strong>de</strong> umaesmola e po<strong>de</strong> (ou não) receber ajuda <strong>de</strong> uma pessoa <strong>de</strong> uma casta mais alta. Umapessoa em uma situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> é, em princípio, capaz <strong>de</strong> sair <strong>de</strong>la, estánela por razões externas e po<strong>de</strong>, suficientemente empo<strong>de</strong>rada, exigir um reconhecimentodos <strong>direitos</strong> <strong>de</strong>la, mas não é vulnerável como se fosse uma característica da sua própriapessoa. Resumindo: a pessoa (ou um grupo <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong>) em si mesmo não é vulnerável,mas po<strong>de</strong> se encontrar em uma situação <strong>de</strong> exploração, <strong>de</strong> negação da sua dignida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>violações <strong>de</strong> <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> (econômicos, sociais e culturais)”. 16Uma série <strong>de</strong> violações <strong>de</strong> <strong>direitos</strong> po<strong>de</strong> contribuir para que as <strong>pessoas</strong> entrem em situaçõesem que estas violações se aprofundam e se agravam. Nos casos <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong>, asvítimas são submetidas a diferentes tipos <strong>de</strong> violações <strong>de</strong> seus <strong>direitos</strong> fundamentais quereforçam sua situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>. Esse ciclo <strong>de</strong> violações, muitas vezes, fragiliza a própriapercepção das vítimas sobre a condição <strong>de</strong> exploração e violência em que se encontram,minando qualquer ação, iniciativa ou <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> romper do ciclo da violência.Esse ciclo <strong>de</strong> violação aos <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como abuso da situação <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong>. O Protocolo <strong>de</strong> Palermo, art. 3º, alínea “a”, <strong>de</strong>fine o abuso da situação <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong> como: “qualquer situação em que a pessoa em causa não tem alternativa real eaceitável senão submeter-se ao abuso em questão” 17 .A maioria das <strong>pessoas</strong> vítimas <strong>de</strong> tráfico, <strong>de</strong> certa forma, algum dia esteve em uma situação(constante ou temporária) <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> seus <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong>, sociais, culturais eeconômicos, o que converge para a conformação <strong>de</strong> grupos ou <strong>pessoas</strong> em situações <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>ao tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong>.Enfrentar o tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong> exige, portanto, uma reflexão sobre as situações <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>.Para isso é importante: 1) reconhecer toda a dimensão da situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>,uma vez que não há indivíduos vulneráveis, mas situações <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong>;2) reconhecer as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, <strong>de</strong> gênero e raça ainda existentes no Brasil e a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver políticas públicas para seu enfrentamento, principalmente políticas <strong>de</strong>promoção do trabalho e emprego; e 3) na esfera internacional, reconhecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>realizar um amplo <strong>de</strong>bate sobre as migrações, principalmente as migrações em busca <strong>de</strong> melhoresoportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho, encarando-a como um direito e <strong>de</strong>senvolvendo medidas<strong>de</strong> gerenciamento, com vistas a soluções <strong>de</strong> longo prazo 18 .16Tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong> e grupos em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>: migração, gênero, raça, crianças e adolescentes. Autor: FransNe<strong>de</strong>rstigt, jurista internacional e articulador do Projeto Trama.17I<strong>de</strong>m: A/55/383/Add. I, parágrafo 63, citado em Português em: Centro Para a Prevenção Internacional do Crime. Guia Legislativopara a Implementação do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalida<strong>de</strong> OrganizadaTransnacional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico <strong>de</strong> Pessoas, em especial <strong>de</strong> Mulheres e Crianças.Versão 3. Viena, Nações Unidas: março <strong>de</strong> 2003, p.26, veja: www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/onu/GuiaProtMulheres.pdf18NAÇÕES UNIDAS. Organização Internacional do Trabalho. Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado – Relatório Globaldo Surgimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares2ª edição revisada e ampliada
19VULNERABILIDADE SOCIAL, MIGRAÇÃO E TRÁFICO DE PESSOASNa nossa cultura, ainda é muito presente a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que viagens para outras localida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong> ser umaaventura em busca <strong>de</strong> riqueza e oportunida<strong>de</strong>s. Também é presente a noção <strong>de</strong> que em outros paísesexiste liberda<strong>de</strong>, respeito e dignida<strong>de</strong>. Para <strong>pessoas</strong> em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, cida<strong>de</strong>s oupaíses que po<strong>de</strong>m oferecer melhores condições <strong>de</strong> vida são vistos como uma possibilida<strong>de</strong> real <strong>de</strong>realização <strong>de</strong> projetos e sonhos. Nesse sentido, ofertas <strong>de</strong> emprego em outras cida<strong>de</strong>s ou nos EstadosUnidos e países da Europa po<strong>de</strong>m se tornar atrativas para quem <strong>de</strong>seja uma vida melhor.De modo geral, a migração está associada à busca por melhores condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalho.Os motivos econômicos, ou seja, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ganhar mais dinheiro ou comprar umacasa, por exemplo, se associam, muitas vezes, a outras motivações, como a busca por ascensãosocial, ou mesmo à fuga <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastres naturais, <strong>de</strong> discriminação e perseguiçõesbaseadas no gênero, na origem étnica e racial ou na religião.Essas questões colocam gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios, principalmente para os países europeus e os EstadosUnidos. As leis migratórias elaboradas por esses países têm como objetivo principal conter e reprimira migração. Não tendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> migrarem <strong>de</strong> forma regular, os/as migrantes muitasvezes arriscam suas vidas e integrida<strong>de</strong> física para entrarem em outros países, expondo-se a diversasprivações e violações <strong>de</strong> <strong>direitos</strong>, tornando-se, em algumas situações, vítimas <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong><strong>pessoas</strong>. Eles/elas ten<strong>de</strong>m a não procurar a justiça, em função do medo e da insegurança. Em razãodisso, ficam <strong>de</strong>sprovidos/as <strong>de</strong> qualquer instância pública capaz <strong>de</strong> garantir seus <strong>direitos</strong>, o que criauma a situação <strong>de</strong> maior vulnerabilida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong>gradante e ao trabalho forçado.TRÁFICO DE PESSOAS, GÊNERO E RAÇAA proteção aos diversos grupos consi<strong>de</strong>rados em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve partir dopressuposto <strong>de</strong> que temos que ver o outro como ser humano e com igual dignida<strong>de</strong> e respeito.Des<strong>de</strong> a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> são vistoscomo <strong>direitos</strong> universais que <strong>de</strong>vem ser garantidos <strong>de</strong> forma inter-relacionada e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Ou seja, não há como dizer que um direito é superior ou vale mais que o outro,<strong>de</strong>vendo-se interpretar os <strong>direitos</strong> <strong>de</strong> forma harmônica.Nesse contexto, é importante compreen<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>terminados grupos sociais necessitam <strong>de</strong>uma atenção especial do Estado. Não porque são grupos privilegiados, mas, sim, porque passarame ainda passam por situações <strong>de</strong> opressão, discriminação e negação <strong>de</strong> <strong>direitos</strong>.No caso das mulheres, a opressão sofrida está ligada ao seu sexo, melhor, a construção socioculturaldo sexo. Em outras palavras, quando uma criança nasce biologicamente mulher, há uma construçãosociocultural do seu comportamento, da maneira <strong>de</strong> vestir, <strong>de</strong> sentir e <strong>de</strong> agir. Entretanto, issonada tem a ver com o sexo das <strong>pessoas</strong>, mas, sim, com a construção generificada dos sexos.Gênero é um conceito relacional e se refere às construções culturais <strong>de</strong> valores, que significamdiferentes comportamentos, atitu<strong>de</strong>s, visões <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> homens e <strong>de</strong> mulheres. Esses significadosocorrerão por uma combinação entre contextos, situações e sentidos.CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares2ª edição revisada e ampliada
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