24É TRABALHO?Em 2002, a categoria “profissionais do sexo” foi incluída na Classificação Brasileira <strong>de</strong> Ocupações(CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego. De fato, uma conquista importante, garantida poruma imensa articulação <strong>de</strong> vários setores. Ao explicitar que a ativida<strong>de</strong> da prostituição não é umaprofissão, mas está no Código Brasileiro <strong>de</strong> Ocupações, é possível, também, enten<strong>de</strong>r que há umadiscrepância entre o Protocolo <strong>de</strong> Palermo, ratificado pelo Brasil, e o Código Penal Brasileiro.À luz da perspectiva feminista, um grupo <strong>de</strong> autoras consi<strong>de</strong>ra o exercício da prostituição umtrabalho, o que <strong>de</strong> fato contribui para que possamos compor o arsenal <strong>de</strong> elementos para oreconhecimento da prostituição como ativida<strong>de</strong> laboral.Algumas autoras feministas (Carole Pateman 25 ; Janice Raymond 26 ; Donna Hughes 27 ;por exemplo) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o exercício da prostituição enquanto sinônimo da dominaçãomasculina. A partir <strong>de</strong>ssa premissa, as prostitutas seriam objeto dos homens, que, apartir do exercício da prostituição, po<strong>de</strong>riam provar o controle e o po<strong>de</strong>r sobre as mulheres.Uma opressão dos homens sobre as mulheres, embasada em um pressuposto<strong>de</strong> um corpo biológico e <strong>de</strong> uma opressão patriarcal. As i<strong>de</strong>ias sedimentadas na teoriado patriarcado, hoje po<strong>de</strong>m ser lidas como um olhar possível frente às relações <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> gênero. Janice Raymond 28 , por exemplo, afirma que a ativida<strong>de</strong> da prostituiçãoé usada como um recurso <strong>de</strong> sobrevivência. Já Claudia Fonseca 29 , rebatendoessa i<strong>de</strong>ia, afirma que a ativida<strong>de</strong> da prostituição é uma opção “nada <strong>de</strong>sprezível” paraas mulheres com origem humil<strong>de</strong> e <strong>de</strong> baixo nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>. Somado a essasduas questões – a opressão do homem e a estratégia <strong>de</strong> sobrevivência – esse grupo <strong>de</strong>feministas radicais também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a prostituta é a imagem da mulher à venda,uma prática <strong>de</strong> escravidão. Assim, para esse grupo, a ativida<strong>de</strong> da prostituição évista como um ato <strong>de</strong> exploração, abuso e violência contra a mulher, o que acabapor restringir sua liberda<strong>de</strong> e os seus <strong>direitos</strong> <strong>de</strong> cidadania.Outro grupo <strong>de</strong> feministas, formado por acadêmicas e militantes <strong>de</strong> organizações nãogovernamentais, e conhecido como feministas liberais ou contratualistas enten<strong>de</strong>m aprostituição como um ato <strong>de</strong> escolha. É preciso acrescentar que essa escolha <strong>de</strong>ve sercompreendida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, o que, certamente, acarretaganhos e perdas. Para as contratualistas, a prostituição é um trabalho, uma vez queas prostitutas estabelecem um contrato a partir <strong>de</strong> uma combinação, especificandoum tipo <strong>de</strong> trabalho por um período <strong>de</strong> tempo e uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro. A prostituição<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como um trabalho qualquer, pois mantém a lógica domercado capitalista. Mais do que isso, a prostituta não ven<strong>de</strong> a si e muito menos suaspartes sexuais, antes ao contrário, ela estabelece um contrato <strong>de</strong> serviços sexuais 30 .25PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1993.26RAYMOND, Janice. Não à legalização da prostituição: 10 razões para a prostituição não ser legalizada. 2003. Disponível em:www.action.web.ca27HUGHES, Donna. A legalização da prostituição refreará o tráfico <strong>de</strong> mulheres? Disponível em: www.oblatas.org.br/artigos28Op. Cit.29Fonseca, Claudia. A dupla carreira da mulher prostituta. In: Revista Estudos Feministas, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 4, n. 1, 1996.30ROSTAGNOL, Susana. Regulamentação: controle social ou dignida<strong>de</strong> do/no trabalho? In: BENEDETTI, Marcos; FÁBREGAS--MARTINEZ, Ana. (org.). Na batalha: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sexualida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r no universo da prostituição. Porto Alegre, Dacasa,Palmarinca, 2000.CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares2ª edição revisada e ampliada
25Essa concepção coloca a mulher em um lugar <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha em relaçãoaos seus atos e ao seu corpo. É como se as prostitutas usassem o <strong>de</strong>sejo dos homenspara comandarem a relação. Entretanto, esse po<strong>de</strong>r nem sempre está nas mãos dasprostitutas; ora também está com os clientes, pois, na prática dos programas, algumasvezes serão eles que <strong>de</strong>terminarão os acontecimentos. Em outras palavras, tanto paraa mulher como para o homem as práticas sociais e sexuais são dotadas <strong>de</strong> regras,construídas a partir <strong>de</strong> suas escolhas, e ambos parecem buscar o agenciamentodo seu sujeito social.Em julho <strong>de</strong> 2012, o Deputado Fe<strong>de</strong>ral Jean Wyllys apresentou o projeto <strong>de</strong> lei chamado GabrielaLeite, que visa regulamentar a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionais do sexo. Um dos principaisargumentos está na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferenciar “prostituição” e “exploração sexual”. Na justificativado projeto, Wyllys afirma que “a regularização da profissão do sexo constitui instrumentoeficaz <strong>de</strong> combate à exploração sexual, pois possibilitará a fiscalização em casas <strong>de</strong> prostituiçãoe o controle do Estado sobre o serviço 31 ”.A pauta <strong>de</strong> reivindicações <strong>de</strong> profissionais do sexo, no que tange o reconhecimento <strong>de</strong> <strong>direitos</strong>,parece ter sido relegada a segundo plano pelo Po<strong>de</strong>r legislativo. Atualmente, as prostitutas sãochamadas <strong>de</strong> forma mais efetiva para colaborar nas CPIs do Tráfico <strong>de</strong> Pessoas e da ExploraçãoSexual Infantil do que para colaborar com temas <strong>de</strong> proposição <strong>de</strong> mudanças na legislaçãoreferente à prostituição e ao reconhecimento dos <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong> das prostitutas.EXPLORAÇÃO SEXUAL E EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIALJá é sabido que há vários <strong>de</strong>sentendimentos, enganos e preconceitos a respeito <strong>de</strong> diferentes práticasem nossa socieda<strong>de</strong>. Questões religiosas e morais infelizmente ainda controlam e organizam oscorpos e as sexualida<strong>de</strong>s das <strong>pessoas</strong>, fundamentalmente os corpos das mulheres, e influenciam,sobremaneira, os conceitos e significados referentes à sexualida<strong>de</strong>, e, também, sobre a prostituição.Prostituição, prostituição forçada, exploração sexual, exploração sexual comercial e o turismosexual são entendidos, muitas vezes, como sinônimos entre si ou sinônimos <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong>.Mas não é bem assim.A exploração sexual é uma das formas <strong>de</strong> exploração na qual as vítimas <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> <strong>pessoas</strong>po<strong>de</strong>m ser submetidas. Ela se caracteriza pelo uso da violência, física ou psíquica, para forçaralguém a realizar o ato sexual. Por isso, a exploração sexual assume características <strong>de</strong> trabalhoforçado e <strong>de</strong>ve sempre ser consi<strong>de</strong>rada uma grave violação aos <strong>direitos</strong> <strong>humanos</strong>.Nos termos da Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobretrabalho forçado, <strong>de</strong> 1930: trabalho forçado significa todo trabalho ou serviço exigido<strong>de</strong> uma pessoa sob a ameaça <strong>de</strong> sanção e para a qual ela não tiver se oferecido espontaneamente.31Ver maiores <strong>de</strong>talhes em: http://jeanwyllys.com.br/wp/jean-wyllys-protocola-pl-que-visa-regulamentar-a-ativida<strong>de</strong>-<strong>de</strong>-profissionais-do-sexoCIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E TRÁFICO DE PESSOASManual para Promotoras Legais Populares2ª edição revisada e ampliada
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