Volume 6 - Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais - Via: Ed. Alápis
Em Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais, 6° volume da coleção CINUSP, pesquisadores e realizadores de diversas regiões do Brasil colocam suas inquietações sobre atores sociais emergentes, cujo lugar na historiografia do cinema brasileiro ainda é uma incógnita, apesar da calorosa discussão e presença laureada em festivais de cinema nacional e internacional.
Em Quebrada? Cinema, vídeo e lutas sociais, 6° volume da coleção CINUSP, pesquisadores e realizadores de diversas regiões do Brasil colocam suas inquietações sobre atores sociais emergentes, cujo lugar na historiografia do cinema brasileiro ainda é uma incógnita, apesar da calorosa discussão e presença laureada em festivais de cinema nacional e internacional.
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fundamentos. Nenhum deles é superior ou inferior ao outro. A partir dessa<br />
diferença mantida na igualdade – oposição irredutível – são deflagrados os<br />
processos de transformação, que dão origem à vida e ao universo.<br />
Cá entre nós, do outro lado do mundo, garotos que vivem no bairro<br />
Nacional, em Contagem, cidade industrial localizada próxima a Belo Horizonte<br />
(MG), inventam cotidianamente formas de viver em uma sociedade<br />
na qual a diferença é negada, excluída, isolada, quando não é deliberadamente<br />
exterminada. Vivendo a juventude, uma fase da vida em que se<br />
tornam sujeitos de sua própria transformação, eles esculpem suas formasde-vida,<br />
nas brechas que abrem para si: a experiência do grafite, do skate,<br />
da droga, das armas, do funk, e também das frutas roubadas no quintal do<br />
vizinho, das tatuagens feitas com liquid paper, dos afetos e do trabalho. Eis<br />
a matéria que Affonso Uchoa, de 29 anos, transforma em cinema no seu<br />
segundo longa-metragem, o filme A vizinhança do tigre. O seu longa de<br />
estreia foi Mulher à tarde (2010).<br />
Rodado de fevereiro de 2009 a dezembro de 2013, A Vizinhança do<br />
tigre conta com a atuação de Juninho, Menor, Neguinho, Adilson e Eldo, falecido<br />
durante as filmagens e a quem o filme é dedicado. Diante da câmera,<br />
eles encenam a própria vida sendo transformada por eles.<br />
Durante um ano, foram feitas gravações sem roteiro prévio. Quando<br />
já havia cerca de 30 horas gravadas, Affonso escreveu um roteiro juntamente<br />
com o correalizador João Dumans, elaborando cenas a partir daquilo<br />
que fora filmado na primeira fase. Esse primeiro material, no qual o<br />
diretor acompanha o cotidiano de seus personagens, é encaminhado para<br />
o terreno da ficção. Daí em diante foram mais 100 horas de filmagens.<br />
Apesar de guardar uma relação de “vizinhança” com seus personagens,<br />
afinal Affonso foi criado ali entre os garotos, em momento algum<br />
ele evidencia o processo do seu filme reflexivamente nas cenas ou mesmo<br />
em retrospecto, na montagem. A proximidade não é narrada, mas certamente<br />
é constitutiva de cada um dos planos filmados, o que se percebe no<br />
extremo cuidado para posicionar a câmera e compor o quadro nas diversas<br />
situações. Certamente, a observação que faz parte da proximidade, que<br />
também foi construída no tempo estendido das filmagens, na elaboração<br />
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