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ANO 1
Nº 2
JUNHO/JULHO
2021
REGINA RUTH
RINCON CAIRES
DRIBLES DO PASSADO
A
igreja era modesta, miúda, suficiente
para abrigar os fiéis. Uma
capelinha. O restante da praça,
área imensa, servia a todos os
moradores. Ali se juntavam, aproveitando
o sol da manhã, colocavam a conversa em
dia, faziam pequenos negócios, e, na parte
da tarde, aquela terra batida, com pouca
areia solta, pertencia aos moleques. As peladas
aconteciam.
Todas as crianças da vila frequentavam a
escola de manhã. Depois da aula, bastava
o tempo de
tirar uniforme
e engolir
o almoço,
os pequenos
iam brotando
feito
pipoca nas
ruas, nas esquinas,
num
converseiro
danado.
O bando,
adensado,
discutia os times, reclamava da pegada do
dia anterior, traquinava novas jogadas. Levava
um bom tempo até tudo se ajeitar.
Todos descalços, as botinas só eram usadas
na escola. Os times dividiam-se: de camisa,
sem camisa. E eram camisas de botão. Não
existiam camisetas para crianças, apenas os
adultos as usavam sob as camisas. Cavadas.
O espaço da trave, que geralmente era medido
por cinco passos, motivo de muita briga,
ficava delimitado por botinas regaçadas
recolhidas do lixo. O gol já havia sido balizado
por tijolos, paus, pedras. Depois de
muitas cabeças de dedo esmigalhadas, optaram
pelas velhas botinas. As passadas eram
motivo de muita discórdia. O goleiro reclamava
que a perna do contador era grande
demais, o artilheiro queria que o mais alto
da turma fizesse a marcação. Era um tal de
puxar o sapatão para lá e para cá...
A bola era de
meia. Bola
de capotão
era artigo
de luxo que
só aparecia
quando chegava
algum
primo distante.
Assim
mesmo,
só podia ser
usada se o
primo escolhesse
o time, o que não agradava a molecada.
Os meninos da cidade grande eram sem
ginga, sem malemolência, sem contar que
as chuteiras espantavam os pés dribladores
dos moleques da vila.
A cada semana, a bola era revestida com velhas
meias, catadas nas casas. Material cada
vez mais escasso.
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