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ANO 1
Nº 2
JUNHO/JULHO
2021
ANDERSON A.
DA C. ROBERTO
Belo Horizonte - MG
Natural de Belo
Horizonte. Leitor
assíduo de
livro e criando
coragem para publicar os
seus
O FIM DO MUNDO DE ALAOR
Faltavam cem segundos para o fim do
mundo...
Alaor leu a terrível notícia no jornal.
É um homem de meia-idade, reservado,
sem posição política definida, sem muitos
sonhos ainda a realizar, e historicamente
apegado às tradições, como gostar de ler o
jornal impresso no início da manhã e com o
rádio sintonizado em seu programa preferido.
Nunca tinha lido que existia o tal “Relógio
do Apocalipse”, era assim que o chamavam
na matéria. Descobriu que os ponteiros deste
relógio estavam há muito tempo estáticos, e
que o tempo é relativamente diferente neste
relógio, não se marca o fim ou o início do dia
e da noite como nós seres humanos estávamos
acostumados. Eles marcam o tempo que
a humanidade ainda tem como expectativa
de vida, e que o avançar ou o retroceder dos
ponteiros estavam ligados diretamente à imbecilidade
que os humanos tem para acabar
com tudo e de só pensar em riquezas. O autor
da matéria não havia escrito aquelas palavras,
a interpretação de Alaor havia pedido
até alguns palavrões para adjetivar o homo
sapiens, mas ele se conteve como sempre fez.
Sua esposa o chamou pelo nome, apesar de
saber onde ele nestes últimos anos, sempre
estaria de manhã. Trouxe-lhe o café preto e
sem açúcar por causa do diabetes e uma torrada
com manteiga dos dois lados. Ele sorriu
e ela depois de segundos intermináveis sorriu
de volta, estava embutido na troca de sorrisos
quase melancólicos o diálogo da manhã:
como passou a noite? Eu muito bem e você?
Já tomou os seus remédios? E você, já tomou
o seu? Não sei como você agüenta estas musicas!
E as notícias do jornal, continuam as
mesmas? O seu time ganhou? Me deixe acabar
de ler que daqui a pouco lhe conto... Não
teve coragem de dizer à mulher que o fim do
mundo estava próximo. Esqueceu um pouco
a leitura e a fitou voltando para a cozinha, o
vestido esgarçado e as pernas com algumas
veias salientes. Se contasse a ela, talvez pensasse
que tinha embirutado de vez, andava
reclamando a ela que ultimamente a memória
não andava lá essas coisas. E justamente
na hora em que todos os neurônios voltaram
para novamente pensar no fim do mundo, o
locutor anunciou a música de Cartola, “Preciso
me encontrar”.
Sentiu um baque ao escutar o inicio dedilhado
da música e depois a marcação dos instrumentos
ganhando corpo e volume e a voz
de Cartola a lhe chamar para dar o fora dali
e aproveitar seus últimos segundos de vida,
seus últimos cem segundos. Olhou em volta
e sentiu asco. Sentiu como se estivesse fora
da curva da vida, tantas coisas a aproveitar e
agora aquele mundo ou pelo menos a vida de
que todos tinham conhecimento, iria findar-se
em tão pouco tempo. As palavras e a melodia
entravam em seus ouvidos e também em seus
poros e ele ali, a olhar aquele café sem gosto
e a torrada com todas as suas restrições. Foi
uma retrospectiva bem rápida, exatos os três
minutos que durou a música: foi um bom marido
na medida do possível, bom pai na educação
dos filhos, que agora crescidos tinham
seus próprios problemas. Foi um bom funcionário
da empresa que trabalhou por mais de
trinta anos, mesmo que em alguns momentos
um soco bem dado no nariz diminuiria consideravelmente
os embates diários. Foi um bom
amigo, mesmo que agora a maioria de suas
amizades estava morta e os que ainda continuavam
vivos, Alaor evitava encontrá-los
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