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Traços 2

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ANO 1

Nº 2

JUNHO/JULHO

2021

ANDERSON A.

DA C. ROBERTO

Belo Horizonte - MG

O FIM DO MUNDO DE ALAOR

por não suportar as suas eternas reclamações.

Foi um bom cristão, mesmo sabendo que em

alguns momentos ele poderia ter feito uma

oração e um pedido com mais fervor. Foi um

bom irmão, mesmo não suportando na maioria

das vezes as imperfeições do seu sangue.

Foi um bom filho, mesmo sabendo que poderia

ter dito aos pais que os amava mais do

que eles pensavam. E então como resultado

de suas avaliações, descobriu-se que era apenas

bom em tudo e com o fim do mundo mais

próximo a cada segundo, a sua chance de ser

ótimo em alguma coisa diminuía com um estalar

de dedos.

Cartola deu ainda mais ênfase no refrão.

“Deixe-me ir, preciso andar” ficou martelando

na cabeça de Alaor, os segundos para o fim

do mundo andando cada vez mais depressa e

ele a ponto de chorar sem saber o que fazer.

A mulher o tirou daquele transe, lhe perguntando

o que queria de almoço e como ele não

lhe respondeu, permanecendo com os olhos

esbugalhados e tristes, decidiu ela mesma, já

voltando para a cozinha, que seria bife de peito

de frango e salada de brócolis e tomate.

Foi neste momento que de dentro do peito de

Alaor surgiu um rompante que não surgia há

vários séculos. Olhou tudo em volta até que

os seus olhos encontraram a janela e dentro

dela o mundo, mesmo que por uma ironia

este fosse de forma quadrada. Esticou a vista

o máximo que pôde, mas não conseguiu

ir além de algumas quadras, porque os olhos

não funcionavam mais direito e os prédios a

toda volta limitavam a visão. Mas decidiu que

não queria mais aquele limite, queria como

na música ultrapassar aquela barreira e aproveitar

ao máximo aqueles segundos restantes.

O rompante ainda vociferava no peito e já se

espalhava por outros tecidos e órgãos: já que

os humanos estão acabando com o mundo,

que eles vão à merda e me deixem aproveitar

tudo o que eu puder.

O programa preferido acabou, várias músicas

foram tocadas depois de Cartola, os minutos

da manhã já haviam sido quase todos consumidos

e nada do fim do mundo iniciar. Coitado

de Alaor, levou a interpretação da notícia

ao pé da letra, que mesmo sendo este um

relógio, o do Apocalipse só movimentaria os

ponteiros se os humanos assim o quisessem.

A vida continuava da mesma forma, preservando

as suas esquisitices e idiossincrasias de

cada região do planeta. Não havia risco de asteróides,

terremotos, inundações ou qualquer

tipo de fim com interpretação religiosa. Pelo

menos por enquanto e a não ser nos filmes,

o mundo continuava inteiro e funcionando

normalmente, com uma indisposição aqui e

ali, mas nada que não pudesse ser recuperado.

Dona Ivana, a mulher de Alaor, veio contar-lhe

sobre uma fofoca e dizer que iria sair

para comprar o frango e terminar o almoço.

O encontrou estirado sobre o tapete com os

mesmos olhos esbugalhados e tristes. Deu um

grito de desespero ao perceber que o havia encontrado

já sem vida.

Não era rompante e nem um embate contra a

vida monótona que havia levado. Alaor teve

um infarto fulminante e que levou a sua vida

toda de uma vez.

O fim do mundo pode acontecer de várias

formas, o de Alaor começou no coração...

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