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Cartas de amor
são ridículas
Já disse Fernando Pessoa, nas tintas do seu heterônimo
Álvaro de Campos, que “Todas as cartas de
amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não
fossem ridículas.”. Pois bem, não precisamos daquele
blá-blá-blá sobre os males da modernidade, afinal
isto já está mais do que batido, rebatido, falado e refalado.
Quem tem mais de 30 ou 40 anos deve ter
tido a experiência de escrever cartas, seja para amigos,
para parentes, para um amor, para uma promoção
de alguma marca que realizava sorteios ao vivo
no Faustão, na Xuxa, no Gugu, no Sílvio Santos, no
Chacrinha. Mas como nossa revista é uma revista literária
que, apesar da modernidade do digital, é old
school, fizemos esta seção chamada Cartas de amor
são ridículas. O título é para homenagear o imortal,
eterno e atemporal Fernando Pessoa, que, com seus
fakes, maravilhava e continua maravilhando leitores
do mundo inteiro. O conteúdo é para reviver aquela
tradição e fazer com que nossos leitores e autores se
aventurem no mundo do “ridículo” e enviem cartas
de amor. Será publicada uma carta por edição. Quem
sabe a sua não será a que estará no próximo número?
Envie para o nosso e-mail. No assunto apenas
coloque Cartas de amor. Pode ser uma carta real ou
inventada, com nome verídico ou com personagens.
Pode ser romântica ou erótica. Melosa ou lasciva. Ou
tudo isso junto. O espaço é seu, a criatividade é sua.
Ah... a carta precisa ter no máximo 400 palavras, e
se você quiser dar mais um tchan pra sua carta, pode
mandar o texto manuscrito, digitalizado em pdf, se o
garrancho for legível, claro.
Nesta edição publicaremos, excepcionalmente, duas
cartas, a primeira de Neide Oliveira, a segunda de
Patricia de Campos Occhiucci.
23
ANO 1
Nº 2
JUNHO/JULHO
2021
Como vai? Espero que você esteja bem.
De fato sei muito pouco da sua vida, superficialmente, através das redes sociais, vejo suas fotos e seus sorrisos, aliás
eles são mais lindos que qualquer paisagem.
Por aqui tudo vai indo.
Não estranhe essa carta, é que eu não sou tão bom com palavras ditas, por isso me apego à escrita. Posso lhe fazer
uma sugestão?
Leia-me como se eu fosse essa carta, não apenas palavras frias no monitor, sou mais do estilo retrô, de papéis enfeitados
e perfumados, escrita com canetas coloridas, às vezes com letras tão intensas, que escorrem a tinta, desfazendo-se
em um borrão.
Sabe ainda recordo aquele dia em que você me disse para “não se apaixonar”, infelizmente foi um pouco tarde...
Por isso resolvi lhe escrever esta carta, que talvez não seja enviada, talvez apenas fique guardada na minha própria
lembrança, como a atitude covarde de deixar você ir, sem lê-la.
Devo confessar que aceitar somente sua amizade foi como engolir uma enorme pílula quadrada, amarga e dolorosa,
meu peito por vezes arde, então tenho que me rasgar por dentro, para voltar a respirar, por isso lhe escrevo.
Não é nenhum tipo de cobrança, vida que segue, livre arbítrio, cada qual no seu próprio caminho, tantas vezes me
pergunto por que você cruzou o meu?
É incrível como você reside em meus pensamentos, a sua voz, o seu jeito, os seus olhos, ah, os seus olhos! Seus olhos
são o meu céu, onde meus dias se iluminam, e tantas vezes refletem estrelas noturnas, alimentando meus sonhos, esses
desejos que já não me cabem.
Se conselho fosse bom por hora não seriam os meus, pois no íntimo meu coração ainda é seu, talvez um dia eu consiga
esvaziar os escaninhos da minha memória, desocupando os espaços desse latifúndio que você tomou posse em mim.
Desculpa! Tento me corrigir e não lhe sentir assim, mas o que eu posso fazer?
Dizem que as pessoas são racionais e objetivas, parece que ser romântico é clichê, serve apenas para alimentar fantasias
e poesias, fazer o que se sou assim?
É brega, eu sei.
Quando há sentimentos não existem culpa ou culpados, pode-se considerar que foi uma paixão no momento errado,
um amor não correspondido, um tanto atrevido que sequer você teria imaginado, a vida nem sempre entrega aquilo
que se havia planejado.
Não quero lhe causar nenhum transtorno, falando assim pareço aquelas placas sinalizadoras, perdidas em alguma
curva, e que ninguém presta atenção, soam como mensagens jogadas ao vácuo.
Sobre esta carta?
Bem, agora que ela está em suas mãos esqueça se assim quiser, se preferir nem abra, deixe que essas palavras flutuem
sem destino, pode rasgar, apagar da sua caixa de e-mail, deixar perdida feito spam.
Agora tanto faz o destino que terá esta carta, não tenho pretensão nenhuma de que mude sua vida, apenas peço a
você que permita-se.
Permita-se ser feliz, experimentar, errar, ousar, e quem sabe amar.
Neide Oliveira
Vitória - ES