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Traços 2

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ANO 1

Nº 2

JUNHO/JULHO

2021

CLARICE DE

ASSIS ROSA

Ituiutaba-MG

ENCONTRO CONTURBADO

sido surpreendente, suas tentativas foram frustradas,

quanto mais tentava esquecer, mais era tomada,

subitamente, por lembranças detalhadas.

Continuaram conversando nos dias seguintes, perceberam

que tinham muitas coisas em comum e

isso favoreceu uma nova amizade.

A princípio, algumas situações pareciam diferentes,

até mesmo estranhas, para Magda. Em determinadas

situações, ele dizia algumas palavras em

tom áspero, pelo menos era o que poderia ser interpretado,

naquele momento, considerando que

o diálogo acontecia por meio de mensagens. Levava

algum tempo para assimilar, pois as circunstâncias

lhe eram atípicas. Sem que percebesse o

motivo, Pedro já a definia como agressiva, grossa

e sumia por algumas horas.

Ela nunca foi boa com reações súbitas, não sabia

lidar com imprevistos, pensava que poderia ofender

as pessoas se agisse com impulsividade, mas

tinha consciência de que nada fizera para ser considerada

como sendo uma pessoa agressiva. Não

naquela ocasião.

Voltavam sempre a conversar, apesar dos desentendimentos,

como se as discórdias jamais tivessem

existido, e talvez realmente não existiram. A

constância tornou-se incômoda, fugindo dos planos

que Magda tinha traçado para si ao buscar

encontros em aplicativos. Não gostava de lembrar

dele, perturbava lhe a sensação de estar sentindo

ainda o seu toque, suas carícias, lembrar da sua

voz, do seu olhar, do seu corpo. Sabia que não

podia imaginá-lo, além de um amigo, entendendo

que o que ocorreu anteriormente fora apenas um

encontro irrelevante. Sabia, mas não se convencia

disso.

Tampouco a amizade era para ter acontecido, uma

vez que, inevitavelmente, Magda buscava suas

redes sociais, relia suas mensagens, procurando

vestígio de algo que pudesse ser um motivo para

que ela conseguisse desprender-se. Ao fazer isso,

percebeu que ele fazia exatamente o mesmo, que

para ele era comum ter encontros e depois causar

situações que o permitisse padronizar essas mulheres,

mesmo que a partir de uma concepção que

poderia não ser verdadeira e, assim, afastar-se. Ela

procurava sentir raiva, buscava traços de personalidade

que pudessem facilitar seu esquecimento.

Não houve.

Não conseguia encontrar defeitos nele, apenas admirava-o

cada dia mais e sofria por ver a destreza

com que ele lidava com a situação de forma segura

e experiente. Observava-o, estudava-o, da forma

que a tecnologia permitia. Repelia a ideia de ser

invasiva, acreditando que essa era uma linha tênue

para a obstinação, no entanto, parecia assim

encontrar-se ao ultrapassar seus próprios limites

para invadir, não o espaço, mas a intimidade do

outro. Sofria calada, ciente de que não tinha o direito

de cobrar explicações.

Sentia-se sempre inferior, desde muito nova. Convivera

com agressões, abusos de pessoas muito

próximas que a fizeram acreditar que era merecedora

de tais situações. Com ele não fora diferente,

talvez tenha sido mais intenso, à medida em que

ela encontrava, em suas redes sociais, as mulheres

que ele se relacionava, com alto padrão de beleza

e cultura e à medida em que ela passou a idealizá-

-lo como um ser dotado de inúmeras virtudes, um

pouco enigmático, confuso, às vezes, mas repleto

de ações e características sublimes que o asseguravam

superioridade moral.

Enquanto Magda vivia um turbilhão de emoções,

foi chegando o dia em que Pedro terminaria a sua

estadia na cidade. Encontraram-se mais uma vez

e, no outro dia, Pedro partiu para o seu destino,

tão tranquilo, como o dia em que chegou.

Magda, após longos anos, até hoje ainda é vista,

constantemente, pelos arredores do hotel em que

Pedro ficava, algumas vezes sentada na calçada,

esperando-o chegar, outros vezes cantarolando

trechos de músicas que ele gostava de cantar para

ela.

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