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desapiedadas, em nome dos altos ideaes da Grecia antiga ou da França moderna,<br />
encontrar alli os artistas tristonhos, desanimados, silenciosos como trappistas, e<br />
ouvir-lhes dizer com voz soturna e dolente: “Ainda não se vendeu nada! (…) - é<br />
triste, e modifica as disposições do nosso espirito, por mais severo que elle seja» 31 .<br />
As comunidades emocionais que se estabeleceram entre Artistas e Críticos fizeram<br />
destes últimos muitas vezes mais cúmplices do que produtores de juízos de valor<br />
com uma certa independência. A última exposição do Grupo do Leão, até mesmo<br />
a Monteiro Ramalho pareceu parcamente abastecida, escrevendo sobre a perda de<br />
fôlego e de novidade daqueles certames…<br />
Quanto ao sentido da procura de identidade nacional, a década de 80 foi decisiva<br />
na reelaboração da história e dos mitos do país. Assim, as festas originadas pelas comemorações<br />
dos centenários, rituais de actualização da História, foram momentos<br />
propícios para que se reanimasse o “orgulho nacional” e a identidade colectiva e<br />
para que se relessem factos e individualidades. Para que tais eventos se realizassem,<br />
foi necessário o estabelecimento de um programa artístico mais, ou menos, elaborado<br />
consoante o interesse que a figura despertava na sociedade. A esse facto não<br />
era alheio o efeito político que a personalidade comemorada poderia suscitar, procurando<br />
os diferentes grupos ideológicos colher alguns dividendos.<br />
A década abre com a comemoração do tricentenário camoniano. Seria difícil encontrar<br />
na história nacional uma figura que satisfizesse mais plenamente as múltiplas<br />
sensibilidades políticas que existiam ou despontavam. Camões “herói elástico”<br />
serviu, como serve ainda, para muscular a “personalidade portuguesa”. Deste modo<br />
não causa estranheza que “toda a nação” se avaliasse e se reequacionasse em torno<br />
do grande épico. Tanta agitação não passou despercebida a Rafael Bordalo Pinheiro<br />
que lhe dedicou páginas divertidíssimas n’O Antonio Maria, quer observando criticamente,<br />
quer sob um registo mais descritivo.<br />
Mentor e entusiasta das comemorações camonianas, Ramalho Ortigão explicou o<br />
pensamento que lhe estava subjacente: dada a calamidade em que se encontrava a<br />
sociedade portuguesa, alguns “beneméritos” decidiram promover o Centenário de<br />
Camões como «prova do espelho posto á boca do moribundo para o fim de verificar se elle<br />
ainda respira ou não».<br />
Em 1884, Gervásio Lobato (1850-1895), dramaturgo e redactor da «Chronica Occidental»,<br />
o editorial d’O Occidente, responsabilizou veementemente aqueles festejos<br />
31 Gazeta de Portugal, nº49, 29 de Dezembro de 1887, [p.3].<br />
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