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com as criadas, na cozinha. E nunca mais deixamos de olhar para aquelas pinturas<br />
sem pensar na infância da Paula, nem na nossa.<br />
Agora, por exemplo, se apareces num sítio qualquer e metem-te um microfone à<br />
frente e perguntam-te: «-Qual é a tua história? O que é que tens para contar?» E tu<br />
dizes: «-Eu sou um artista, pinto muitos quadros e faço desenhos...» Ainda não acabaste<br />
a frase e já eles estão a dar o microfone a outra pessoa. Mas se tu disseres, por<br />
exemplo: «Eu fui violado quando tinha três anos e por isso é que eu faço os quadros<br />
desta maneira...» O público quer saber mais: «-Ah! Tão verdadeiro, tão interessante!<br />
Conte-lá, como é que foi. Como é que isso transparece nas obras?» Ou seja, tem<br />
que se prometer matéria mastigável, utilizável pela media.<br />
Também a Vieira da Silva fornecia esta matéria, embora de uma forma completamente<br />
diferente, porque a Vieira da Silva é anterior à Paula Rego, portanto, é uma<br />
pessoa que falava de uma maneira mais ligada a uma certa imaginação, à subjectividade<br />
mas dentro de uma certa pureza, quer dizer, ali não havia muito Freud. Na<br />
Paula Rego já há mais Freud, ouvi dizer que ela até diz que deve muito ao seu<br />
psiquiatra, e eu acredito, devido ao psiquiatra a ter ensinado a lidar com a sua informação<br />
genética e adquirida, de maneira a conseguir enfrentar e transformar aquilo<br />
tudo em conceitos visuais. Em ambos os casos, são mulheres, que têm realmente um<br />
discurso muito especial e elaborado sobre si mesmas.<br />
É evidentes que existem outros pintores muito conhecidos em Portugal, por exemplo,<br />
o Júlio Pomar, que nunca disseram nada com interesse sobre si mesmos. Este<br />
tem escrito alguns livros, umas coisas meio poéticas, mas as pessoas que gostam das<br />
pinturas, gostam delas em si mesmas, não é porque realmente ele tenha acrescentado<br />
um discurso fantástico. Talvez por isso não tenha feito uma carreira internacional<br />
como as precedentes.<br />
Hoje tudo é possível! O que dizia o Andy Warhol é que não existe publicidade negativa<br />
hoje em dia, toda a publicidade é positiva. Se houver pessoas a dizerem mal<br />
de uma determinada obra estão de qualquer maneira a pensar nela, isso é melhor<br />
do que os grandes inimigos da obra de arte, a ignorância e o esquecimento. Mais<br />
uma vez encontramos o Museu do Esquecimento. Tudo o que seja enterrar a obra,<br />
no sentido de a espezinhar, dizer mal dela ou achar aquilo horrível, já é magnífico!<br />
Grande parte dos movimentos que hoje toda a gente admira, o Surrealismo, o Impressionismo,<br />
começaram por ser objecto de escândalo e reprovação social, inclusivamente<br />
por parte da maioria dos tais tipos que escreviam, na época.<br />
Wassily Kandinsky também escreveu uns textos sobre os críticos, mas os críticos em<br />
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