Edição Especial - Faap
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e, portanto, menos democrático.<br />
Poderia continuar ressaltando os nossos defeitos e, se quisesse de fato<br />
machucar a nossa auto-estima, poderia lembrar da obra do escritor Paulo<br />
Prado. Para ele, numa terra radiosa se desenvolveu um povo triste, formado por<br />
três raças tristes, desde sempre tomadas por sentimentos perversos, como a<br />
cobiça e a luxúria. Sentimentos esses que, por definição, não podendo ser<br />
saciados, geraram a melancolia e o romantismo com que fazemos política e com<br />
que acreditamos construir nossas instituições.<br />
Como analista político, recorro a essa herança cultural para demonstrar que<br />
nossas dificuldades estão estabelecidas de modo mais profundo em nossa alma do<br />
que sugeriria atribuir a este ou àquele partido a responsabilidade por nossos<br />
desacertos e dificuldades; o que, evidentemente, não retira e nem pode retirar o<br />
livre-arbítrio e as culpas de partidos e indivíduos. Mas o certo é que, junto com<br />
isto, desenvolvemos o patriarcalismo e o patrimonialismo; curvamo-nos diante de<br />
líderes personalistas e carismáticos; deixamos que a emoção nos guie. Fazemo-nos<br />
amigos de fé, ou inimigos figadais. Este é o homem cordial a quem Sérgio Buarque<br />
se referiu. Pessoal em tudo, para ele, quem não é nosso amigo, é nosso inimigo. E<br />
aos amigos damos tudo, aos inimigos damos a lei. “Lei... Ora, a lei!”, teria dito<br />
Getúlio Vargas, para muitos nosso maior estadista do século passado.<br />
Mas seria o Brasil apenas isso? Há uma canção relativamente recente que<br />
nos pergunta: “O Brasil é Mauro Silva, Dunga e Zinho; zero a zero e campeão?<br />
Ou é o Brasil que ficou pelo caminho, Zico, Sócrates, Júnior e Falcão?” (A<br />
Cara do Brasil, de Celso Viáfora e Vicente Barreto). Creio, sinceramente, talvez<br />
porque também eu acredite em Paraíso, que estamos mais para a seleção de<br />
1982, dirigida por Telê Santana e, perdoem-me, de lembrança não muito<br />
agradável a vocês, caros amigos da Argentina. Nossas diferenças raciais, nossa<br />
aversão à regra criam adaptabilidade, criatividade, superações e um novo jeito<br />
de querer estar no mundo. Não conseguimos ser burocráticos, não<br />
conseguimos nos ater a normas impessoais e muito menos internalizá-las. Mas,<br />
não raro, conseguimos encantar, desenvolver certa genialidade nisso tudo; a<br />
música e o futebol são apenas dois exemplos. Há mais. Fizemos uma transição<br />
da ditadura para a construção da democracia pela via da negociação;<br />
destituímos o primeiro presidente que elegemos depois de longo inverno, a<br />
vida continuou e a democracia, pelo menos política, se consolidou. Sem abalos,<br />
foi eleito um presidente que expressava a dinâmica de nossa sociedade.<br />
Promovemos alternância de poder e a via eleitoral, tão controversa, virou<br />
definitivamente a regra do jogo. Não sabemos ser radicais, somos moderados<br />
por natureza, ainda que, às vezes, irritantemente moderados.<br />
Nossas instituições têm problemas, é verdade. Como disse acima, não creio<br />
que tenhamos chegado à plenitude institucional e democrática. Mas evoluímos<br />
bastante e continuamos a evoluir. Nossa experiência democrática tem pouco<br />
mais que a idade de um adolescente. Nos últimos anos aprovamos uma “Lei de<br />
Responsabilidade Fiscal”, que é paradoxo em termos – se você tem<br />
responsabilidade, não precisaria de uma lei para algo tão natural quanto o<br />
equilíbrio fiscal –, mas, no Brasil, isto é um inegável avanço. Aos poucos temos<br />
Brasil: compreender e superar..., Carlos Alberto Furtado de Melo, p. 190-199<br />
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