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— 102 — Venha, sim, que talvez por nosso trato Uma nova linguagem sera urdida. Em que possam fallar-se os desgraçados, Que do mundo não seja traduzida. Por lei inexorável do destino, Quem gemer á desgraça condemnado, Inda lidando no lidar do mundo, Ha de viver do mundo desterrado. E cm que desterro! Os outros só nos tiram Os olhos do lugar do nascimento ; A desgraça, porém, do mundo inteiro Desterra o coração c o pensamento. Ao menos a linguagem deste exílio Mais supportavel torne a vida crua; Tenha ao menos a terra da desgraça Uma linguagem propriamente sua. E quem têl-a melhor? Por mais que falle O seductor prazer em phrase ardente, Por mais que se perfume e se floreie, Nunca é, <strong>com</strong>o a dôr, tão eloquente. Nos phenomenos d'alma o corpo sempre Do seu modo de obrar diversifica : Pelas quebras da organica fraqueza A força espYitual se multiplica.
- 103 — Quando, livre, o esp'rito aos céos remonta, Da Eternidade demandando o norte, Toda força primeva recobrando— Tomba a matéria, c cai nas mãos da morte! Quando o gaz do prazer dilata o seio, A força do sentir dormente acalma ; Quando a prensa da dor o seio aperta, A força do sentir se expande n'aima. Assim novas palavras, novas phrases, Nova linguagem, pede o soffrimento; Porque dobra o sentir, e duplas azas PYa vôos duplos colhe o pensamento : Não, não pode em seus termos quasi inertes, Esse fallar <strong>com</strong>mum de cada dia, Deste duplo sentir, didéas duplas, Exprimir fielmente a valentia. Enganais-vos, ditosos ! Vossas falias, Annos que fallem, nunca dizem tanto, Quanto ívum só momento dizer pôde Um suspiro, um soluço, um ãi, um pranto. Eia, pois, tristes ! eia!... desde agora Uma nova linguagem seja urdida, Em que possam fallar-se os desgraçados, Que do mundo não seja traduzida.
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