Memorabilia CACO 90 ANOS de HISTORIA - UFRJ
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<strong>CACO</strong> - <strong>90</strong> anos <strong>de</strong> História Série <strong>Memorabilia</strong> - <strong>UFRJ</strong><br />
AP: Eu tinha escrito o Assim marcha a família,<br />
11 com o José Louzeiro, e Argélia: o<br />
caminho para a in<strong>de</strong>pendência, 12 resultado<br />
<strong>de</strong> uma visita <strong>de</strong> 3 meses e meio à Argélia,<br />
acompanhando o Miguel Arraes. 13<br />
O pessoal daqui achou que o Arraes não<br />
<strong>de</strong>veria ficar sozinho na Argélia, naquela<br />
fase inicial, e recebi a missão <strong>de</strong> acompanhá-lo.<br />
<strong>CACO</strong>: Fale um pouco mais sobre O po<strong>de</strong>r<br />
jovem.<br />
AP: O po<strong>de</strong>r jovem foi meu 3 o livro. Saiu<br />
quando a ditadura vivia dizendo que os<br />
estudantes <strong>de</strong>viam se colocar nos seus<br />
lugares: “Estudante é para estudar. Estudante<br />
não tem que fazer política e padre também<br />
não. Padre é para rezar e estudante é<br />
para estudar”. Aí comecei a pesquisar o<br />
assunto. Primeiro, para fazer um artigo no<br />
Correio da Manhã. Aquilo foi crescendo.<br />
Fui à Biblioteca Nacional, peguei aqueles<br />
velhos jornais, vendo toda a História do<br />
Brasil. Foi uma pesquisa <strong>de</strong> um ano e meio,<br />
mais ou menos. Fui <strong>de</strong>scobrindo muitas<br />
coisas e aquilo que seria inicialmente um<br />
artigo acabou virando um livro. Sempre<br />
quando queria botar um ponto final no<br />
livro, acontecia algo mais importante. O<br />
Ênio Silveira, 14 gran<strong>de</strong> editor, e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
participação na vida política brasileira na<br />
resistência à ditadura, me pressionava: “Entrega<br />
logo esse livro, que a situação está<br />
piorando no Brasil. Eles vão dar outro golpe<br />
<strong>de</strong>ntro do golpe, anunciando o AI-5. Como<br />
sou perfeccionista, adiava e adiava. Já tinha<br />
entregue os originais quando, em março<br />
<strong>de</strong> 68, foi assassinado o Edson Luís. Foi<br />
uma comoção geral. A polícia entrou atirando<br />
no Calabouço, restaurante on<strong>de</strong> os<br />
estudantes se reuniam e que hoje é um estacionamento.<br />
Eu tinha que fazer um novo<br />
capítulo, um a<strong>de</strong>ndo pelo menos. O Ênio<br />
queria que o prefácio fosse feito por alguém<br />
respeitado pela ditadura, com medo <strong>de</strong> que<br />
o livro fosse apreendido. Até que um dia,<br />
me lembrei do velho Pery Constant Bevilaqua,<br />
comandante do Segundo Exército,<br />
hostil ao Jango, mas era ministro do<br />
Supremo Tribunal Militar, on<strong>de</strong> foi gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> todo mundo. Fui até ele: “O<br />
senhor uma vez disse que se eu tivesse<br />
algum problema, o senhor me ajudaria. Pois<br />
eu estou com um problema tremendo. Eu<br />
escrevi um livro e estão exigindo que eu<br />
consiga um prefácio <strong>de</strong> uma pessoa que<br />
seja respeitada pelo governo atual. O editor<br />
tem medo <strong>de</strong> que todo esse trabalho<br />
acabe em apreensão”. Ele respon<strong>de</strong>u: “Eu<br />
faço. Defendo as suas idéias, mesmo que<br />
não concor<strong>de</strong> com elas”. E ele citou Voltaire:<br />
“Posso não acreditar numa palavra <strong>de</strong><br />
que dizeis, mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rei até a morte o<br />
vosso direito <strong>de</strong> dizê-lo”. Eu saí muito feliz,<br />
o problema estava resolvido, o livro ia circular,<br />
tudo bem. Passaram-se alguns dias e<br />
o general me ligou dizendo: “Não po<strong>de</strong>rei<br />
mais fazer o seu prefácio. O senhor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
no livro uma tese altamente discutível para<br />
mim”. Eu perguntei o que era, e ele disse<br />
que eu fazia uma referência à CGT. 15 Ele tinha<br />
tido uma briga com a CGT, chegou a<br />
chamá-la <strong>de</strong> “ninho peçonhento <strong>de</strong> inimi-<br />
D 11 Assim marcha a família, José Loureiro e outros, Civilização<br />
Brasileira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1965.<br />
D 12 Argélia: o caminho para a in<strong>de</strong>pendência, Civilização<br />
Brasileira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1966.<br />
D 13 Miguel Arraes (1916-2005) advogado, economista<br />
e político, foi governador <strong>de</strong> Pernambuco preso na manhã<br />
do golpe militar, obteve habeas corpus e exilou-se<br />
na Argélia, retornando após a anistia.<br />
D 14 Ênio Silveira (1925-1996) editor e militante do Partido<br />
Comunista Brasileiro. Responsável por diversas inovações<br />
editoriais e pela publicação da Revista Civilização<br />
Brasileira, que exerceu profunda influência no<br />
campo das esquerdas durante os quatro primeiros anos<br />
da ditadura militar no Brasil, saindo compulsoriamente<br />
<strong>de</strong> circulação em 1968.<br />
D 15 Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), entida<strong>de</strong><br />
intersindical in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte criada em 62, realizou inúmeras<br />
greves e manifestações pelas reformas <strong>de</strong> base;<br />
foi <strong>de</strong>sarticulada após o golpe e teve seus lí<strong>de</strong>res presos.<br />
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