Memorabilia CACO 90 ANOS de HISTORIA - UFRJ
Memorabilia CACO 90 ANOS de HISTORIA - UFRJ
Memorabilia CACO 90 ANOS de HISTORIA - UFRJ
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
238<br />
<strong>CACO</strong> - <strong>90</strong> anos <strong>de</strong> História Série <strong>Memorabilia</strong> - <strong>UFRJ</strong><br />
<strong>CACO</strong>: Existia algum policial infiltrado no<br />
diretório estudantil?<br />
TLS: Nesse período, não. Alguns nós i<strong>de</strong>ntificávamos.<br />
Desconfiávamos, <strong>de</strong>nunciávamos,<br />
partíamos para cima porque era<br />
muita gente. De repente, tinha um cara lá,<br />
freqüentando uma turma qualquer. A<br />
faculda<strong>de</strong> é um lugar on<strong>de</strong> ninguém mostra<br />
carteirinha para entrar. É uma doce bagunça.<br />
A minha turma tinha 600 alunos e era<br />
impossível conhecer todo mundo. Então,<br />
se alguém sentava <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rno na mão,<br />
simulando anotação <strong>de</strong> aula, se era ou não<br />
aluno, ninguém sabia. É verda<strong>de</strong> que havia<br />
um pessoal que a gente i<strong>de</strong>ntificava, na<br />
ocasião em que havia uma assembléia, uma<br />
reunião mais ampla. Às vezes os infiltrados<br />
se <strong>de</strong>stacavam pelo jeitão típico <strong>de</strong> polícia<br />
e às vezes alguém já conhecia e <strong>de</strong>nunciava:<br />
“aquele cara ali é do DOPS!” (Departamento<br />
<strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social). Nesse<br />
tempo, ainda éramos patrulhados pelo<br />
DOPS da Polícia Civil. Depois, na medida<br />
em que o regime foi endurecendo, vieram<br />
os militares. Em relação ao IPM, lembrome<br />
bem <strong>de</strong> um colega, conhecido como<br />
Rosenthal, um estudante brilhante, muito<br />
engraçado, figura folclórica. Ele era preparado,<br />
inteligente, culto, excêntrico e tinha<br />
uma militância no <strong>CACO</strong>. O coronel o chamou<br />
para <strong>de</strong>por e ele foi com as roupas do<br />
seu avô: terno, colete, polainas, relógio<br />
<strong>de</strong>pendurado à mostra, chapéu e uma bengala.<br />
Estava muito engraçado com aquela<br />
roupa. Eu tinha uma fotografia <strong>de</strong>ssa cena,<br />
que não sei mais on<strong>de</strong> se encontra. Diante<br />
do inusitado o coronel falou: “O senhor<br />
está ridículo com essa roupa!” Ao que ele<br />
respon<strong>de</strong>u: “Estou vestido a caráter. Para<br />
um IPM ridículo, estou vestido <strong>de</strong> acordo”.<br />
Vários IPMs também foram distribuídos<br />
para outros juízes estaduais. Por não terem<br />
confiança na Justiça comum dos Estados,<br />
na edição do Ato Institucional n o 2, os mili-<br />
tares retiraram da juris comuns a competência<br />
para o julgamento dos crimes políticos.<br />
Portanto, os crimes previstos na então<br />
Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional (Lei n o 1802/<br />
53) 3 passaram a ser da competência da Justiça<br />
Militar, que até então só julgava militares<br />
ou civis acusados <strong>de</strong> crimes tipicamente<br />
militares, previstos no Código Penal Militar.<br />
As acusações eram muitas vezes genéricas<br />
e se expressavam, por exemplo, num crime<br />
que era assim <strong>de</strong>finido: “praticar atos <strong>de</strong>stinados<br />
a provocar guerra revolucionária”.<br />
Este crime <strong>de</strong>finia uma conduta incriminada<br />
que se usava para tudo, mas que não queria<br />
dizer absolutamente nada. O que é praticar<br />
atos <strong>de</strong>stinados a provocar guerra revolucionária?<br />
Então, a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />
e os vários diplomas legais que a substituíram,<br />
possuíam <strong>de</strong>finições imprecisas,<br />
tipos abertos para <strong>de</strong>finir a prática <strong>de</strong> subversão<br />
e ofensa da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática e<br />
dos bons costumes. Consi<strong>de</strong>rava-se como<br />
crime contra a segurança nacional, por exemplo,<br />
promover a organização <strong>de</strong> um<br />
partido político fora das regras legais, isto<br />
é, sem o registro na Justiça Eleitoral.<br />
<strong>CACO</strong>: Qual era o posicionamento dos estudantes<br />
da FND em relação à ditadura?<br />
TLS: Nós tínhamos o amplo apoio dos estudantes,<br />
a maior parte da opinião pública<br />
da faculda<strong>de</strong>, digamos assim, mas havia<br />
uma atuante militância <strong>de</strong> direita, que apoiava<br />
a ditadura. Dizia-se, inclusive, que<br />
alguns <strong>de</strong>sses alunos tinham certo comprometimento<br />
com aquelas organizações<br />
que financiavam a prática do anticomunismo,<br />
embora isso nunca tenha ficado pro-<br />
D 3 Lei n o 1.802 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1953, revogada pelo<br />
Decreto-Lei n o 314, <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1967, primeiro estatuto<br />
legal a utilizar os conceitos da doutrina da segurança<br />
nacional; substituído pelo Decreto-Lei n o 898, <strong>de</strong> setembro<br />
<strong>de</strong> 1969, em vigor até 1983, quando é promulgada nova<br />
lei <strong>de</strong> segurança nacional.