Memorabilia CACO 90 ANOS de HISTORIA - UFRJ
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<strong>CACO</strong> - <strong>90</strong> anos <strong>de</strong> História Série <strong>Memorabilia</strong> - <strong>UFRJ</strong><br />
<strong>de</strong> 1969, uma sexta-feira, quando dois oficiais<br />
do Primeiro Exército me levaram. Fui<br />
solto uma semana <strong>de</strong>pois. Não me argüiram,<br />
não me torturaram, não fizeram nada<br />
comigo. Em primeiro <strong>de</strong> setembro, no dia<br />
seguinte ao <strong>de</strong>rrame do Costa e Silva, saiu<br />
minha aposentadoria, sem processo, sem<br />
<strong>de</strong>fesa, sem coisa nenhuma. Eu disse:<br />
“bem, eu não sou maluco, não sou paranóico.<br />
Não fiz nada, fui preso, não fiz nada,<br />
fui aposentado, não fiz nada, fui anistiado.<br />
Eu não participo <strong>de</strong>ssa paranóia!”.<br />
<strong>CACO</strong>: Para um professor progressista,<br />
qual foi o papel do <strong>CACO</strong> nesse processo?<br />
O <strong>CACO</strong> apoiava esses professores?<br />
EMF: Ah, sim. Lutava a favor da liberda<strong>de</strong>,<br />
contra a ditadura, contra o golpe <strong>de</strong> Estado,<br />
não tenha dúvida disso. A faculda<strong>de</strong><br />
tem uma tradição <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong> progresso, <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve continuar assim. Mas<br />
havia muito arbítrio e as prisões eram feitas<br />
em massa, com torturas. Havia também<br />
as <strong>de</strong>missões, sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />
<strong>CACO</strong>: O que a sua participação política<br />
na FND, como aluno e professor, trouxe<br />
para a sua carreira?<br />
EMF: Isso marca a gente para o resto da vida.<br />
Você é combatido porque quem dirige<br />
o Brasil até hoje é a direita organizada.<br />
Quando eu entrei para a Aca<strong>de</strong>mia Brasileira<br />
<strong>de</strong> Letras, em 84, disseram: “não, ele é<br />
comunista! Não po<strong>de</strong>mos colocá-lo aqui”.<br />
Eu obtive, mesmo assim, 37 votos <strong>de</strong> 39<br />
eleitores, apenas dois em branco. E nunca<br />
fui filiado ao partido comunista. O Pedro<br />
Calmon, 12 por exemplo, que nunca foi <strong>de</strong><br />
esquerda, também foi acusado <strong>de</strong> comunista.<br />
Ele era um homem rico, oriundo <strong>de</strong><br />
uma família <strong>de</strong> posses. Foi reitor da Universida<strong>de</strong><br />
do Brasil durante 18 anos, era<br />
aberto a todas as correntes, muito favorável<br />
aos estudantes. Quando a polícia, em 56,<br />
mandou invadir a faculda<strong>de</strong>, ele se armou<br />
<strong>de</strong> revólver, e disse para polícia: “Aqui só<br />
se entra com vestibular!” 13 O que nós pedimos<br />
não é i<strong>de</strong>ologia fanática, é <strong>de</strong>mocracia,<br />
liberda<strong>de</strong>, nada além disso. Porque<br />
assim, a ciência ganha, a verda<strong>de</strong> científica<br />
ganha. Dizia Cervantes em D. Quixote que<br />
“a verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> tardar, como ouro no centro<br />
da Terra, mas um dia ela aclara”. Então,<br />
havendo liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, <strong>de</strong> ensino,<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, quem lucra é o progresso,<br />
a ciência. Falei do Calmon porque ele foi<br />
um gran<strong>de</strong> reitor, até hoje não houve um<br />
reitor como ele, que não era um homem<br />
<strong>de</strong> esquerda, mas era um <strong>de</strong>mocrata, que<br />
foi acusado <strong>de</strong> ser comunista, em 64, e respon<strong>de</strong>u<br />
a processo.<br />
<strong>CACO</strong>: Quais foram as marcas em termos<br />
<strong>de</strong> aprendizagem, <strong>de</strong>ssas experiências políticas?<br />
EMF: Há uma frase que diz que todo homem<br />
<strong>de</strong>ve ter uma marca, nem que seja do diabo.<br />
Na faculda<strong>de</strong> li<strong>de</strong>i com muitos cidadãos<br />
oportunistas. Acho que vocês <strong>de</strong>vem<br />
continuar lutando e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a faculda<strong>de</strong>,<br />
seja através <strong>de</strong> uma revista ou por<br />
qualquer outro meio.<br />
<strong>CACO</strong>: Houve um inci<strong>de</strong>nte com uma<br />
aluna que gravou suas aulas, é verda<strong>de</strong>?<br />
EMF: Maria Teixeira Lafer era o seu nome.<br />
Ela foi namorada <strong>de</strong> um cidadão <strong>de</strong> esquerda,<br />
<strong>de</strong>pois o sujeito terminou o namoro<br />
e ela, por vingança, ficou à serviço<br />
da polícia, fazendo um movimento contra<br />
D 12 Pedro Calmon (1<strong>90</strong>2-1985), professor catedrático <strong>de</strong><br />
Direito Público Constitucional, diretor da Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> 1938 a 1948, reitor da Universida<strong>de</strong><br />
do Brasil em dois períodos, 48 a 50 e 51 a 66, recebeu os<br />
títulos <strong>de</strong> Professor Emérito da <strong>UFRJ</strong>, Doutor Honoris<br />
Causa das Universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coimbra, Quito, San Marco<br />
e México; membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras, <strong>de</strong>ixou<br />
extensa obra como jurista e historiador.<br />
D 13 V. a respeito do protesto contra o aumento da passagem<br />
dos bon<strong>de</strong>s p. 117 e 118.