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250<br />

Adroal<strong>do</strong> Gaya<br />

Relacionar os estu<strong>da</strong>ntes que <strong>do</strong> Brasil vieram a<br />

Portugal e que <strong>de</strong> Portugal foram ao Brasil? Ora! Isto<br />

os serviços administrativos <strong>de</strong> nossas instituições<br />

po<strong>de</strong>m fazer com maior competência. Ressaltar<br />

aspectos pitorescos <strong>de</strong>ssas aventuras? Isto exigiria<br />

uma etnografia que o tempo não permitiria. Contar a<br />

história sobre a concepção <strong>de</strong>stes projetos? Isto é<br />

uma tarefa coletiva que <strong>de</strong>ve ser realiza<strong>da</strong> entre<br />

to<strong>do</strong>s aqueles que, em algum momento, construíram<br />

estes programas.<br />

Mas algo me incomo<strong>da</strong>va. O que seria? Bem! Logo<br />

<strong>de</strong>scobri. Era a expressão mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntil. Ela<br />

soava em meus ouvi<strong>do</strong>s como uma expressão fria,<br />

burocrática, sem brilho, sem emoção. Expressão<br />

muito longe <strong>de</strong> representar a “Caixa <strong>de</strong> Pan<strong>do</strong>ra”<br />

on<strong>de</strong> estão guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s alegrias, tristezas, me<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>safios, curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, aprendizagens, amiza<strong>de</strong>s fraternas,<br />

abraços, lágrimas... Mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntil...<br />

não! É muito burocrático e sem brilho. Vamos transformá-la<br />

numa pe<strong>da</strong>gogia. Sim, num discurso pe<strong>da</strong>gógico.<br />

A pe<strong>da</strong>gogia <strong>do</strong>s viajantes? Quem sabe a<br />

pe<strong>da</strong>gogia <strong>de</strong> encontros e <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>s? Ou, citan<strong>do</strong><br />

Rui Veloso, a pe<strong>da</strong>gogia <strong>do</strong>s cavaleiros an<strong>da</strong>ntes?<br />

Volto à pe<strong>da</strong>gogia no senti<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> pelas palavras<br />

<strong>do</strong> cientista, filósofo e poeta Michel Serres:<br />

Nenhuma aprendizagem evita a viagem. Sob a orientação<br />

<strong>de</strong> um guia, a educação empurra para o exterior<br />

Volto ao início:<br />

Parte: sai <strong>do</strong> ventre <strong>de</strong> tua mãe, <strong>do</strong> berço, <strong>da</strong> sombra ofereci<strong>da</strong><br />

pela casa paterna e as paisagens juvenis. Ao vento e à<br />

chuva: lá fora, faltam to<strong>do</strong>s os abrigos. As tuas idéias iniciais<br />

não repetem senão palavras antigas. Jovem tagarela.<br />

A viagem <strong>do</strong>s filhos eis o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> <strong>da</strong> palavra grega<br />

pe<strong>da</strong>gogia.<br />

(Michel Serres)<br />

Viagem, pe<strong>da</strong>gogia, pe<strong>da</strong>gogia <strong>de</strong> encontros e <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>s:<br />

eis o mais profun<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> que neste discurso<br />

<strong>do</strong>u a expressão burocrática mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntil.<br />

Pe<strong>da</strong>gogia na poesia <strong>de</strong> Vitorino:<br />

Perguntei ao vento<br />

On<strong>de</strong> foi encontrar<br />

Rev Port Cien Desp 6(2) 249–252<br />

Mago, sopro encanto<br />

Nau <strong>da</strong> vela em cruz<br />

Foi nas on<strong>da</strong>s <strong>do</strong> mar<br />

Do mun<strong>do</strong> inteiro<br />

Terras <strong>da</strong> perdição<br />

Terras <strong>da</strong> perdição. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>de</strong> encontros e <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>s.<br />

Jovens que atravessam oceanos. São gaúchos,<br />

brasileiros, gremistas, que cantam e <strong>da</strong>nçam o samba.<br />

Hoje jovens <strong>da</strong> cultura lusófona. Também, tripeiros,<br />

portugueses, portistas e que cantam o fa<strong>do</strong>.<br />

Tripeiros <strong>de</strong> Trás-os Montes, <strong>da</strong>s margens <strong>do</strong><br />

D’Ouro. Portugueses, enfim, que cantam nas tunas<br />

universitárias. Hoje, também, gaúchos, paulistas,<br />

manauaras, nor<strong>de</strong>stinos que <strong>da</strong>nçam forró e cantam<br />

pago<strong>de</strong>s.<br />

São híbri<strong>do</strong>s. São mestiços. Arlequins com seus<br />

mantos furta-cores. Meninos e meninas que atravessam<br />

o oceano, se tornam mestiços. Arlequins com<br />

retalhos multicolori<strong>do</strong>s. Uma colcha <strong>de</strong> retalhos.<br />

Já falam em português <strong>do</strong> Brasil com sotaque lusitano.<br />

Falam português <strong>de</strong> Portugal com gírias e “ss”<br />

<strong>do</strong> Brasil. Colcha <strong>de</strong> retalhos. Pele tatua<strong>da</strong> pela experiência<br />

<strong>de</strong> uma nova cultura.<br />

Não sou mais o mesmo brasileiro que um dia chegou<br />

neste país, nesta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, nesta <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong>.<br />

Tampouco minha filha é a mesma brasileira que, em<br />

sua a<strong>do</strong>lescência, estu<strong>do</strong>u em Espinho e, na sua<br />

juventu<strong>de</strong>, mu<strong>do</strong>u-se para Portugal Não somos <strong>da</strong><br />

mesma forma portugueses. Quem somos, minha<br />

filha? Somos mestiços, brasileiros que fomos tatua<strong>do</strong>s<br />

por hábitos e costumes <strong>de</strong>sta terra. Somos mestiços,<br />

arlequins, híbri<strong>do</strong>s. Uma colcha <strong>de</strong> retalhos.<br />

Como alguns dizem por estas ban<strong>da</strong>s, para o bem ou<br />

para o mal, somos “brasucas”.<br />

Mas quem viaja, quem atravessa o oceano, leva consigo<br />

suas raízes. Jamais aban<strong>do</strong>naremos nossa cultura<br />

<strong>de</strong> origem. Ela está tatua<strong>da</strong>, in<strong>de</strong>lével em nossa<br />

pele. Somos e sempre seremos brasileiros em<br />

Portugal ou portugueses no Brasil. Mas:<br />

Depois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> a margem, permanece-se algum<br />

tempo muito mais perto <strong>de</strong> um <strong>do</strong> que <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>,<br />

mesmo <strong>de</strong> frente, pelo menos o suficiente para que o corpo<br />

se entregue a esse cálculo e diga silenciosamente que po<strong>de</strong><br />

sempre regressar.<br />

(Michel Serres)

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