28.08.2013 Views

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

por inteiro, mais humano, mais solidário, mais comunitário.<br />

Somos sim um sujeito mais universal, um<br />

ci<strong>da</strong>dão global e planetário. Como um Cristo <strong>de</strong><br />

amplos braços. A isso chama-se ser português.<br />

No <strong>de</strong>curso <strong>da</strong> nossa peregrinação e errância houve<br />

<strong>de</strong>sencontros com os povos que connosco se cruzaram.<br />

Mas também houve encontros, aproximações,<br />

paixões, amores e sexo insubmissos a pu<strong>do</strong>res <strong>da</strong><br />

epi<strong>de</strong>rme e a arrogâncias biológicas, redun<strong>da</strong>n<strong>do</strong> em<br />

casamentos que misturaram o sangue e geraram<br />

laços e afectos. Por isso somos Sísifos com as pernas<br />

escancha<strong>da</strong>s sobre o oceano, aposta<strong>do</strong>s em secá-lo e<br />

unir as suas margens.<br />

Estava em Cabo Ver<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> Portugal jogou com<br />

Angola. Alegrei-me com a vitória, mas não entrei em<br />

excesso <strong>de</strong> festa e euforia. Talvez os angolanos precisassem<br />

mais <strong>do</strong> que nós <strong>de</strong> ganhar para porem uma<br />

pincela<strong>da</strong> <strong>de</strong> alegria em cima <strong>da</strong> espessa cama<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

agrura e incerteza que cobre o seu dia-a-dia. Para<br />

Angola vai, pois, uma sau<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> estima e apreço<br />

pelo feito realiza<strong>do</strong>, tal como a minha profun<strong>da</strong> sintonia<br />

com o entusiasmo que varreu o povo angolano.<br />

Em Cabo Ver<strong>de</strong> senti a i<strong>de</strong>ntificação com Portugal.<br />

Ela mantém-se viva, apesar <strong>da</strong>s vicissitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong> política<br />

e <strong>do</strong> po<strong>de</strong>roso cortejo <strong>de</strong> interesses económicos<br />

que tu<strong>do</strong> fazem para <strong>de</strong>struir laços antigos e, em seu<br />

lugar, colocar outros mais superficiais e sur<strong>do</strong>s à voz<br />

<strong>do</strong>s afectos. A nossa Selecção também é a <strong>de</strong> muitos<br />

cabo-ver<strong>de</strong>anos, mas o Brasil também conquista<br />

ca<strong>da</strong> vez mais corações naquelas paragens. Este facto<br />

dá-me satisfação, por ser prova insofismável <strong>de</strong> que<br />

a Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s Países <strong>de</strong> Língua Portuguesa tem<br />

raízes fun<strong>da</strong>s no sentir <strong>do</strong>s povos que a perfazem.<br />

Ela é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> bem mais sóli<strong>da</strong> e visível nas<br />

atitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong>s pessoas <strong>do</strong> que no cenário político.<br />

Igualmente <strong>de</strong> Goa, <strong>do</strong> Brasil, Timor e outras ban<strong>da</strong>s<br />

recebi testemunhos <strong>da</strong> intensa comunhão lusófona e<br />

<strong>do</strong> apoio activo às selecções <strong>do</strong> nosso idioma. Foram<br />

<strong>de</strong>veras comoventes os telefonemas que chegaram <strong>de</strong><br />

Goa, <strong>de</strong> Manaus, <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> Alegre, <strong>de</strong> São Luís <strong>do</strong><br />

Maranhão, <strong>de</strong> São Paulo e <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, a transmitir<br />

a corrente <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, quer no início,<br />

quer após os jogos. Nos locais mais recônditos <strong>do</strong><br />

globo havia ban<strong>de</strong>iras <strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong> Portugal a<br />

ondular ao vento <strong>do</strong> amor, <strong>da</strong> veneração e admiração.<br />

E erguia-se no ar a chama resplan<strong>de</strong>cente <strong>da</strong> alma<br />

lusófona, grávi<strong>da</strong> e acresci<strong>da</strong> <strong>de</strong> sonho e futuri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

O nosso lugar certo e natural é portanto na imensidão<br />

lusófona. É nela que po<strong>de</strong>mos encontrar arrimo<br />

e lamber as feri<strong>da</strong>s provoca<strong>da</strong>s pelas mor<strong>de</strong>duras <strong>do</strong>s<br />

canzarrões que <strong>de</strong>fecam no Mun<strong>do</strong>. Por isso mesmo<br />

é que me dói ver responsáveis políticos, inclusive na<br />

área <strong>de</strong>sportiva, exibirem um ar <strong>de</strong> riso <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso<br />

quan<strong>do</strong> se fala na lusofonia e na sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. A<br />

cara <strong>de</strong>ssa gente não engana; a sua alma tem os ferros<br />

<strong>da</strong>s gana<strong>da</strong>rias <strong>do</strong>s mares <strong>do</strong> norte. Viva o<br />

Portugal multicolori<strong>do</strong>! Viva a pátria lusófona!<br />

5. Como disse atrás, estive recentemente no meio <strong>do</strong><br />

Oceano Atlântico, em Cabo Ver<strong>de</strong>. Ao contemplar<br />

aquelas ilhas e o esforço titânico <strong>da</strong>s suas gentes<br />

para <strong>do</strong>brarem o <strong>de</strong>stino e a ru<strong>de</strong>za <strong>da</strong>s circunstâncias,<br />

<strong>de</strong>i-me conta <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>mos ser to<strong>do</strong>s<br />

iguais; a dimensão telúrica <strong>do</strong> local <strong>do</strong> nascimento<br />

condiciona o ser e a obra <strong>da</strong>s criaturas. A gran<strong>de</strong>za<br />

<strong>da</strong> alma e <strong>da</strong> autentici<strong>da</strong><strong>de</strong> e ternura humanas que<br />

se <strong>de</strong>rramam na sua face. Realmente a gente <strong>de</strong><br />

Cabo Ver<strong>de</strong> é incomparável no tamanho e limpi<strong>de</strong>z<br />

<strong>da</strong> alma e <strong>do</strong> coração, <strong>do</strong>s sonhos, <strong>do</strong> afecto e generosi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

<strong>da</strong> alegria <strong>de</strong> <strong>da</strong>r, <strong>de</strong> ser fraterna e <strong>de</strong> se<br />

sentir lusófona. Aberta ao mistério, à fé e ao milagre<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, faz brotar <strong>da</strong>s cinzas e fragas vulcânicas as<br />

plantas, flores e frutos que incen<strong>de</strong>iam <strong>de</strong> riso, harmonia<br />

e festa o cântico sofri<strong>do</strong> e magoa<strong>do</strong> <strong>da</strong> existência.<br />

Na falta <strong>de</strong> água, rega a seca e o chão com<br />

lágrimas <strong>de</strong> sau<strong>da</strong><strong>de</strong> e emoção.<br />

Isto leva-me a consi<strong>de</strong>rar irrelevantes as razões e o<br />

teor <strong>de</strong>ste texto. Talvez o <strong>de</strong>vesse <strong>de</strong>itar fora e escrever<br />

<strong>de</strong> novo. Eis uma sugestão para algo mais lato e<br />

abrangente: para recomeçar o texto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e reinventar<br />

as margens que o seu curso <strong>de</strong>ve seguir.<br />

Afinal a vi<strong>da</strong> é uma viagem; é nesta que a aprendizagem<br />

acontece e a pessoa amadurece. O saber vemnos<br />

<strong>do</strong> sabor que a viagem oferece. Estamos e somos<br />

em trânsito, num mar salga<strong>do</strong> e fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> vivo<br />

encantamento e áci<strong>da</strong> <strong>de</strong>silusão.<br />

Cabo Ver<strong>de</strong> e o exemplo, a música, a fé, a persistência<br />

e a diáspora <strong>da</strong>s suas gentes vão comigo até ao<br />

fim <strong>da</strong> viagem, envoltos na toalha <strong>da</strong> memória <strong>do</strong>ce<br />

e <strong>da</strong> senti<strong>da</strong> gratidão. Bem hajam!<br />

1 BLOOM, Harold (2004): On<strong>de</strong> Encontrar a Sabe<strong>do</strong>ria?<br />

Editora Objetiva Lt<strong>da</strong>., Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

2 TORGA, Miguel (2002): Ensaios e Discursos.<br />

Círculo <strong>de</strong> Leitores.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!