28.08.2013 Views

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

download PDF - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

206<br />

Janice Mazo, Adroal<strong>do</strong> Gaya<br />

INTRODUÇÃO<br />

As primeiras associações <strong>de</strong>sportivas em <strong>Porto</strong> Alegre<br />

foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos teuto-brasileiros (imigrantes<br />

alemães e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes) na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

século XIX, quan<strong>do</strong> este grupo migratório já tinha<br />

supera<strong>do</strong> a difícil fase <strong>da</strong> colonização e começava a<br />

dinamizar sua vi<strong>da</strong> social (32). No perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong><br />

entre mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX e princípio <strong>do</strong><br />

século XX foram organiza<strong>da</strong>s 10 associações <strong>de</strong>sportivas<br />

em <strong>Porto</strong> Alegre pela iniciativa <strong>do</strong>s teuto-brasileiros:<br />

Turnerbund (1867), Von Musterreiter (1885),<br />

Ru<strong>de</strong>r Club (1888), Ru<strong>de</strong>r-Verein Germânia (1892), Club<br />

Walhalla (1896), Rodforvier Verein Blitz (1896),<br />

Deutscher Schristzen Verein (1897), União Velocipédica<br />

(1899), Grêmio Foot-Ball <strong>Porto</strong> Alegrense (1903), Fussball<br />

(1903). Este número expressivo reforça a afirmação<br />

<strong>de</strong> que “as associações eram sustentáculos <strong>da</strong>s<br />

tradições <strong>de</strong> origem” <strong>do</strong>s teuto-brasileiros na fase <strong>de</strong><br />

a<strong>da</strong>ptação ao novo país (34, p. 165).<br />

Num processo histórico <strong>de</strong> colonização, o associativismo<br />

se constituiu enquanto expressão <strong>de</strong> consciência<br />

coletiva <strong>do</strong>s teuto-brasileiros e como estratégia<br />

<strong>de</strong> preservação <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

teuto-brasileira é uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural que assumiu<br />

características próprias, resultantes <strong>do</strong> contraste<br />

entre a cultura européia e a cultura <strong>do</strong>s primeiros<br />

grupos que colonizaram <strong>Porto</strong> Alegre (35). Os teutobrasileiros<br />

percebiam-se como alemães, pois acreditavam<br />

numa origem comum e cultivavam diferenças<br />

culturais em relação aos brasileiros, preservan<strong>do</strong><br />

laços <strong>de</strong> pertencimento com a Pátria <strong>de</strong> origem (24).<br />

Para a compreensão <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> teuto-brasileira,<br />

faz-se necessário estabelecer a diferenciação entre<br />

nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong> e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, pois os alemães compartilhavam<br />

a noção <strong>de</strong> jus sangüinis (29). Segun<strong>do</strong> esta<br />

concepção, a nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong> está relaciona<strong>da</strong> à filiação<br />

cultural, enquanto que a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

pela participação política e econômica no país (34).<br />

Sen<strong>do</strong> assim, os teuto-brasileiros consi<strong>de</strong>ravam-se<br />

ci<strong>da</strong>dãos brasileiros <strong>de</strong> nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong> alemã. Esta<br />

distinção não era compartilha<strong>da</strong> pelos brasileiros,<br />

cuja referência i<strong>de</strong>ntitária alicerçava-se na noção <strong>do</strong><br />

jus soli, segun<strong>do</strong> a qual a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

são <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pelo país <strong>de</strong> nascimento.<br />

A condição peculiar construí<strong>da</strong> pelos teuto-brasileiros<br />

em sua nova Pátria <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma conflituosa<br />

relação com os brasileiros. Os teuto-brasileiros<br />

Rev Port Cien Desp 6(2) 205–213<br />

foram concebi<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> o ‘outro’ <strong>da</strong> cultura<br />

brasileira. Brandão (4, p. 42) afirma que “as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

são representações inevitavelmente marca<strong>da</strong>s<br />

pelo confronto com o outro”. A produção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

explicita a dinâmica <strong>da</strong>s relações entre ‘nós’ e<br />

‘os outros’, mas a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é mais <strong>do</strong> que o produto<br />

<strong>da</strong> oposição por contraste, ela é o próprio reconhecimento<br />

social <strong>da</strong> diferença.<br />

Os teuto-brasileiros eram reconheci<strong>do</strong>s pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

nacional brasileira como um grupo diferencia<strong>do</strong>,<br />

tanto que lhes foi atribuí<strong>da</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> própria.<br />

O grupo, por sua vez, não apenas incorporou a nova<br />

<strong>de</strong>nominação, como também procurou formas <strong>de</strong> se<br />

representar enquanto tal. Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong>s relações<br />

entre os grupos, as representações são construí<strong>da</strong>s<br />

culturalmente, enquanto estratégia para o<br />

enfrentamento <strong>da</strong>s adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e como <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. De acor<strong>do</strong> com Chartier (6, p. 178),<br />

as representações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> social são também<br />

componentes <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social e “to<strong>da</strong> representação<br />

se apresenta como representação <strong>de</strong> alguma<br />

coisa”. A representação é entendi<strong>da</strong> como um ato <strong>de</strong><br />

exibição, isto é, <strong>de</strong> ver e ser visto. Então, traços culturais<br />

são escolhi<strong>do</strong>s à construção <strong>da</strong> auto-i<strong>de</strong>ntificação<br />

<strong>do</strong> grupo e para distinguir-se <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, o associativismo <strong>de</strong>sportivo, que<br />

englobou um amplo repertório <strong>de</strong> símbolos, valores,<br />

normas, comportamentos e outras formas <strong>de</strong> representações<br />

que evocavam a mãe-pátria, po<strong>de</strong> ser visto<br />

como um mecanismo <strong>de</strong> afirmação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

cultural teuto-brasileira.<br />

O estu<strong>do</strong> tem por objetivo investigar se as associações<br />

<strong>de</strong>sportivas também se constituíram enquanto<br />

espaço <strong>de</strong> representação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural <strong>do</strong>s<br />

teuto-brasileiros. Para tanto, buscou-se i<strong>de</strong>ntificar as<br />

possíveis representações que expressavam esta i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

cultural.<br />

A bibliografia consulta<strong>da</strong> e as fontes <strong>do</strong>cumentais<br />

foram submeti<strong>da</strong>s à análise <strong>do</strong>cumental. Outro<br />

suporte <strong>da</strong> pesquisa consistiu na coleta <strong>de</strong> sete<br />

<strong>de</strong>poimentos orais <strong>de</strong> ex-atletas <strong>da</strong>s associações <strong>de</strong>sportivas<br />

<strong>de</strong> <strong>Porto</strong> Alegre, com i<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre 76 anos e<br />

84 anos, que são i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />

pelas letras <strong>do</strong> alfabeto (A, B, C, D, E, F, G). As<br />

entrevistas grava<strong>da</strong>s e transcritas (1) foram submeti<strong>da</strong>s<br />

à análise temática <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> e confronta<strong>da</strong>s<br />

com as informações obti<strong>da</strong>s nas fontes <strong>do</strong>cumentais.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!