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cia e simultaneamente <strong>de</strong> sucumbir à <strong>de</strong>silusão,<br />
como se apenas houvéssemos <strong>de</strong> alcançar a apoteose<br />
no silêncio tranquilo e amargo <strong>do</strong> aniquilamento e<br />
resignação. Aceitemos, pois, os limites <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />
sem esquecer as palavras <strong>de</strong> Hilel: “On<strong>de</strong> não<br />
houver homens, esforçai-vos para agir como um<br />
homem”. E ten<strong>do</strong> também em conta a advertência<br />
<strong>de</strong> Tarphon: “Não sois obriga<strong>do</strong>s a concluir a obra,<br />
mas tampouco estais livres para <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong>la”. 1<br />
Mantenhamos vivas as convicções ganhas num trajecto<br />
esforça<strong>do</strong>, sua<strong>do</strong> e limpo. E continuemos a iluminar as<br />
noites e dias <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> opressora com este clarão <strong>de</strong><br />
Mário Quintana: “A vi<strong>da</strong> são <strong>de</strong>veres que nós trouxemos<br />
para fazer em casa”. Para os guar<strong>da</strong>r e cumprir.<br />
Sei que eles caíram em <strong>de</strong>suso. Porém é mister que<br />
sigamos o rumo traça<strong>do</strong>, para não cairmos na farsa e<br />
mentira. Os engana<strong>do</strong>res têm o castigo <strong>de</strong> ser o que<br />
são; não são na<strong>da</strong>, falta-lhes i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Eis porque<br />
<strong>de</strong>vemos passar <strong>de</strong> cara ergui<strong>da</strong>, leves e orgulhosos<br />
<strong>de</strong> nós, por entre a multidão <strong>de</strong>sfigura<strong>da</strong>.<br />
Sim, <strong>de</strong>vemos preferir a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>ri<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver<br />
porfia<strong>do</strong> à vantagem in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver contorna<strong>do</strong>.<br />
Até porque o homem que a <strong>do</strong>r não educou não<br />
passa <strong>de</strong> uma criança. A <strong>do</strong>r torna-nos mais fortes e<br />
por certo mais sábios, cépticos e pru<strong>de</strong>ntes, embora<br />
também pessimistas e solitários.<br />
3. Quan<strong>do</strong> olho a conjuntura e as circunstâncias,<br />
vem-me à memória o poeta russo Maiakowski. O<br />
poeta acreditava piamente na revolução e que <strong>de</strong>la<br />
sairia um mun<strong>do</strong> melhor, mais justo, fraterno e solidário.<br />
Pouco a pouco foi perceben<strong>do</strong> que os lí<strong>de</strong>res<br />
<strong>do</strong> seu país tinham perdi<strong>do</strong> a alma. O <strong>de</strong>srespeito e<br />
os atropelos brutais à digni<strong>da</strong><strong>de</strong> física e moral <strong>da</strong>s<br />
criaturas eram a regra vigente. Desiludi<strong>do</strong> e sem<br />
esperança, em 1930 ren<strong>de</strong>u-se e saiu <strong>de</strong> cena, pon<strong>do</strong><br />
um fim trágico à sua vi<strong>da</strong>.<br />
Também hoje vivemos tempos dúbios e tristes.<br />
Muitos <strong>de</strong> nós já sentem angústias e <strong>de</strong>salentos próximos<br />
aos <strong>do</strong> poeta. Per<strong>de</strong>mos a confiança em gente<br />
que se afirmava ciosa <strong>do</strong> bem comum, aposta<strong>da</strong> em<br />
combater iniqui<strong>da</strong><strong>de</strong>s e diminuir as <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
sociais. Tu<strong>do</strong> o que traduz soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, atenção e<br />
respeito <strong>do</strong> outro, <strong>do</strong> semelhante, é <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> sem<br />
apelo nem agravo. O <strong>do</strong>ente, o necessita<strong>do</strong> e o <strong>de</strong>svali<strong>do</strong><br />
são erigi<strong>do</strong>s em privilegia<strong>do</strong>s e como tal vilipendia<strong>do</strong>s<br />
e execra<strong>do</strong>s na praça pública. Por isso vai<br />
alastran<strong>do</strong> uma on<strong>da</strong> <strong>de</strong> suspeição, <strong>de</strong>scrédito e<br />
<strong>de</strong>sesperança, em relação aos políticos e ao seu jeito<br />
tão baixo <strong>de</strong> fazer política. Contu<strong>do</strong> ela não gera<br />
revolta; pelo contrário, redun<strong>da</strong> em passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong>sistência, o que é <strong>de</strong>veras preocupante.<br />
Só que eu sou professor, pertenço à profissão <strong>da</strong><br />
palavra e <strong>da</strong> obrigação <strong>de</strong> a dizer alto. Não proce<strong>de</strong>rei<br />
como Maiakowski, nem tampouco fico cala<strong>do</strong>, à<br />
espera que me tirem a voz <strong>da</strong> garganta e já não<br />
possa falar.<br />
Não <strong>de</strong>ixemos que o silêncio <strong>do</strong>s melhores seja cúmplice<br />
<strong>do</strong> alari<strong>do</strong> e <strong>de</strong>svergonha <strong>do</strong>s piores! Não percamos<br />
a alma, nem permitamos que nos roubem o<br />
direito <strong>de</strong> sonhar, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver melhor!<br />
Sim, é tu<strong>do</strong> isto que causa <strong>do</strong>r em mim e em muitos<br />
portugueses. Não foi tão presente enquanto a nossa<br />
Selecção esteve no Mundial. Depois veio o pesa<strong>de</strong>lo a<br />
tol<strong>da</strong>r a nossa visão sobre um horizonte on<strong>de</strong> já não<br />
se <strong>de</strong>scortina a ilusão. Da terra emerge uma cruz com<br />
um epitáfio: “Aqui jaz a alma portuguesa. Vendi<strong>da</strong> e<br />
perdi<strong>da</strong> por…” Recuso-me a continuar a ler, porque é<br />
longa a lista <strong>do</strong>s que a ven<strong>de</strong>m e per<strong>de</strong>m.<br />
4. Somos poucos e sem peso económico, mediático e<br />
comercial, mas fomos longe no Mundial <strong>de</strong> Futebol.<br />
Na Europa não há admiração pelos feitos <strong>de</strong>smedi<strong>do</strong>s<br />
<strong>da</strong> nossa história, mas na Alemanha sentiu-se o<br />
vento lusitano. Esse sopro universal que insufla a<br />
inquietação <strong>de</strong> Portugal, tão bem dito por Miguel<br />
Torga, que é o <strong>de</strong> não ter me<strong>do</strong> senão <strong>da</strong> pequenez,<br />
“me<strong>do</strong> <strong>de</strong> ficar aquém <strong>do</strong> estalão por on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que o mun<strong>do</strong> é mun<strong>do</strong>, se me<strong>de</strong> à hora <strong>da</strong> morte o<br />
tamanho <strong>de</strong> uma criatura”. 2<br />
O papel que nos tocou <strong>de</strong>sempenhar na história <strong>da</strong><br />
Humani<strong>da</strong><strong>de</strong> ri-se <strong>da</strong> soberba europeia. A via-sacra <strong>da</strong><br />
nossa aventura ingente <strong>de</strong>ixou-nos na pele uma nova<br />
tatuagem e o sudário <strong>de</strong> uma condição <strong>de</strong>sgarra<strong>da</strong>;<br />
transformou-nos em arlequins <strong>de</strong> roupa multicolori<strong>da</strong>.<br />
Somos híbri<strong>do</strong>s, mestiços, polimorfos, ubíquos,<br />
dividi<strong>do</strong>s e perdi<strong>do</strong>s na lonjura e na distância. Uma<br />
colcha <strong>de</strong> retalhos e estilhaços, a revelar a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
espécie humana. Antes tínhamos só as marcas <strong>do</strong><br />
agro originário; hoje temos traços <strong>de</strong> outras culturas,<br />
somos também africanos, asiáticos, angolanos, brasileiros,<br />
cabo-ver<strong>de</strong>anos, goeses, guineenses, macaenses,<br />
moçambicanos, timorenses etc. Temos a pátria<br />
aumenta<strong>da</strong> e gememos por to<strong>da</strong>s as suas parcelas no<br />
<strong>de</strong>sespero duma opção impossível. Somos duplos? É<br />
claro que não somos duplos, somos isso sim um ser