História Geral

essência da graça divina, de modo que o ateísmo ou
outras correntes religiosas não cristãs não eram
vislumbrados como caminhos de experiência religiosa a
serem considerados; o que Lutero defende é a liberdade
individual na compreensão da palavra de Deus, por
meio de sua leitura sem intermediários, o que explica sua
crítica aos rituais católicos, ao uso exclusivo do latim e
justifica sua tradução da Bíblia para o alemão em 1522.
Exemplos notáveis dessa experiência crítica são os
escritos de Erasmo de Roterdã, pensador humanista que
foi autor de uma edição nova dos Evangelhos, onde
condenava o clero e sua ignorância e imoralidade, bem
como o aspecto exterior do culto católico e a defesa de
um retorno à simplicidade dos primeiros cristã, ou
mesmo as numerosas edições da Bíblia propagadas e
divulgadas graças ao incremento da imprensa no
Ocidente.
2. EXPERIÊNCIAS PRECURSORAS DA
RUPTURA NA CRISTANDADE OCIDENTAL
Embora a Reforma iniciada por Lutero tenha se
configurado na mais ampla demonstração da
descontinuidade do cristianismo católico, não deve ser
considerada como a única experiência de questionamento
de sua hegemonia. Em outros momentos, na própria
Idade Média, tivemos recorrentes ameaças ao discurso
religioso de Roma. Mais intensas a partir do século XII,
mas com ocorrências anteriores, as heresias medievais,
são um bom exemplo dessas discordâncias. Contestavam
aspectos da doutrina religiosa, assumiram cunho
essencialmente popular em sua composição e
reclamavam as posturas éticas das autoridades católicas.
Destacamos entre as mais conhecidas, a dos cátaros ou
albigenses, os valdenses e os franciscanos.
Questionando os dogmas, sacramentos e autoridade
moral espiritual do clero, os cátaros receberam apoio de
parte da nobreza e exerceu forte influência na região de
Languedoc, ao sul da França, por quase um século. Sua
repressão foi violenta, promovida pelo Papa Inocêncio
(1160-1216), organizador de uma verdadeira cruzada que
massacrou o grupo e entregou a região de sua atuação à
coroa francesa, fiel ao papado e à ortodoxia dos dogmas
católicos.
A crítica à opulência e acumulação de riqueza do clero
sofreu forte oposição de ordens defensoras da pobreza e
do desapego material, do qual o exemplo mais marcante
foi o de São Francisco de Assis e dos fiéis seguidores de
seu exemplo. Os franciscanos enfatizavam a pobreza e a
vida junto à natureza como elementos de renovação
espiritual. Outro grupo, inspirado em São Domingos,
defendia a pregação militante e o despojamento de
qualquer pompa material. Se inicialmente tais grupos
foram considerados heréticos, a partir do século XIII,
quando as transformações econômicas, sociais e políticas
da Baixa Idade Média impunham desafios ao catolicismo
*, às ordens mendicantes** seriam reconhecidas pela
Igreja Católica, pois poderiam representar uma maior
aproximação das camadas populares e uma
demonstração de renovação da fé.
*O crescimento das camadas urbanas decorrente da
intensa reativação comercial, tornavam os habitantes das
cidades mais propensos aos maus costumes, pois teriam
maiores informações do que as populações rurais
isoladas. O aumento da circulação da riqueza urbano
também poderia favorecer o ressurgimento da vida
intelectual fora dos mosteiros e do controle da Igreja.
**Ordem Franciscana (1209) e Ordem Dominicana
(1216) seriam reconhecidas pelo Papado e muito
importantes para criar uma imagem de renovação
espiritual do clero. Os dominicanos foram responsáveis
como principais delegados da Santa Inquisição
No século XIV, John Wicliff, intelectual e professor de
Oxford, na Inglaterra, também colocou em choque a
hegemonia católica; fez a primeira tradução da Bíblia
para a língua inglesa e acusava a organização hierárquica
da Igreja de ser desnecessária, bem como alegou que a
salvação seria obtida apenas através da fé e não da
obrigatoriedade do cumprimento aos sacramentos. Teve
sua produção intelectual destruída e, mesmo depois de
morto, teve o corpo exumado para ser incendiado em
praça pública. Na Boemia, surgiria ainda o movimento
hussita, sob a influência de Jan Huss, também
considerado outro precursor do movimento reformista.
Seu discurso pautou-se especialmente na denúncia a
corrupção do clero, no luxo desmedido de seus ministros,
e na oposição à venda de indulgencias ou negociação do
perdão mediante pagamento material. Também não
escapou à violência da Igreja, tendo sido condenado e
executado em 1415.
Ao considerar esses exemplos precursores de oposição à
Igreja Católica e sua capacidade de serem contornados
pela Instituição, nos damos conta do quanto à
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