História Geral
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cidades da região, era pago a cada 15 dias e em dinheiro,<br />
prática pouco comum por aquelas bandas. Se por um<br />
lado o bolso estava cheio, por outro a paciência deles se<br />
esgotava. A cidade americana seguia regras americanas.<br />
Havia relógios de ponto por toda parte. Uma sirene<br />
dividia o dia em turnos e marcava os horários de<br />
descanso. Os caboclos, acostumados a acompanhar o<br />
tempo conforme o ciclo do sol, estranharam. Para<br />
completar, a Fordlândia proibia bebida alcoólica em seus<br />
limites.<br />
A rigidez de costumes fazia com que a cidade<br />
deixasse de ser um lugar interessante para morar. A<br />
rotatividade entre os trabalhadores era, assim, muito<br />
grande. Mas, para os que lá ficavam, havia formas de<br />
diversão às escondidas, como a cachaça contrabandeada<br />
(vinha dentro de melancias pelo rio) e as festinhas<br />
animadas na chamada “ilha dos inocentes”, do outro lado<br />
do Tapajós – que de ilha e de inocente não tinha nada.<br />
Lá, bebida e prazer eram liberados. Para isso, prostitutas<br />
chegavam de Santarém e de Belém.<br />
Eu quero é farinha<br />
E foi ali, no coração da Amazônia e por causa das<br />
diferenças culturais, que ocorreu talvez o único motim<br />
antiespinafre da <strong>História</strong>. Em 1930, explodiu no<br />
refeitório da Companhia Ford Industrial do Brasil uma<br />
rebelião, conhecida como “quebra-panelas”. Os caboclos<br />
se revoltaram contra a obrigatoriedade de comer<br />
espinafre quase que diariamente – queriam peixe, feijão e<br />
farinha. Em meio a gritos de “abaixo o espinafre”,<br />
colocaram os americanos para correr e prometeram fazer<br />
greve. “Em uma noite, os dirigentes da Ford Motor<br />
Company aprenderam mais sociologia que em anos de<br />
universidade”, afirma o escritor e advogado Clodoaldo<br />
Vianna Moog em Bandeirantes e Pioneiros: Paralelo<br />
entre Duas Culturas.<br />
Na mesma época, a plantação de seringueiras foi<br />
atacada pelo mal-das-folhas, fungo que reduzia a<br />
produção de látex e acabava até por matar a árvore.<br />
Estudos anteriores à implantação de Fordlândia<br />
indicavam que a floresta era capaz de proteger a árvore<br />
dessa praga. Isso porque a distância entre uma<br />
seringueira e outra diminuía a intensidade do ataque.<br />
Mas isso não acontecia no local. “Eles plantaram as<br />
árvores como se fossem eucaliptos, bem diferente da<br />
estrutura de uma floresta”, afirma Marinho Andrade,<br />
produtor do documentário Fordlândia, ainda sem data de<br />
estréia no cinema.<br />
O ritmo da implantação dos seringais também era<br />
baixo. Em 1929, havia 400 hectares de plantação. Em<br />
1931, o volume cresceu apenas para 900. Muito inferior<br />
ao planejamento inicial: 200 mil hectares de seringueiras<br />
e rendimento médio de 1500 quilos de borracha por<br />
hectare. Só em 1932, depois do fracasso da baixa<br />
produtividade, a companhia decidiu contratar um<br />
especialista no cultivo de borracha. Chegou por<br />
lá o botânico James R. Weir, que havia trabalhado na<br />
American Rubber Mission.<br />
Weir sugeriu, em 1936, a troca da área de Fordlândia<br />
por outra em Belterra, a 48 quilômetros de Santarém. Lá,<br />
o terreno era mais bem drenado, com mais vento e menos<br />
umidade – condições desfavoráveis à propagação do<br />
mal-das-folhas. Um outro núcleo urbano foi construído e<br />
alguns erros, reparados. O traçado das plantações ainda<br />
era retilíneo, mas as mudas não eram locais, e sim<br />
trazidas do antigo Ceilão (atual Sri Lanka). O projeto<br />
ganhou novo fôlego. Mesmo assim, a produção era<br />
baixa, os trabalhadores reclamavam da alimentação e da<br />
falta de liberdade. Uma vila vizinha a Belterra fazia as<br />
vezes da “ilha dos inocentes”, e a falta de mão-de-obra<br />
permaneceu.<br />
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muita coisa<br />
havia mudado. O principal – e determinante – fator para<br />
o fim do sonho de Ford no Brasil foi o surgimento da<br />
borracha sintética, que passou a ser largamente<br />
produzida em países como Japão, Alemanha e Rússia e<br />
que tornou a borracha natural menos interessante. Além<br />
disso, a idéia de terceirização surgia e já não era mais<br />
necessário se preocupar com o todo da produção de um<br />
automóvel. Em 1945, Henry Ford, sem nunca ter pisado<br />
em suas terras brasileiras, resolveu deixar de lado a<br />
Amazônia e vendeu por 250 mil dólares as cidades ao<br />
governo brasileiro, com tudo o que restava nelas. Hoje,<br />
Fordlândia está praticamente abandonada, tomada pelo<br />
mato. Belterra, pela proximidade com Santarém, tornouse<br />
um município um tanto maior, com cerca de 17 mil<br />
habitantes.<br />
In:http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/fordlandia-derrapadafor436290.shtml<br />
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